segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O GAUCHO QUE ME EXPLICOU A GUERRA - Aterragem de Rudolph Hess na Escócia

 

J. Sá-Carneiro                                                Cascais, 15  Dez. 2009

Já não estou bem certo, mas parece-me que conheci o Fulvio Arri  em 1970, no Aero Clube de Luanda, onde ele tinha muito recentemente  assumido funções de instrutor de voo.                    Era um bom piloto, com muita prática de zonas montanhosas, pois, no Brasil, voara alguns anos numa carreira que atravessava os Andes, para Santiago do  Chile e Valparaiso.  E depois tinha sido piloto na África do Sul, julgo que ao serviço da NBC.         Agora ali em Angola tinha um contrato como director técnico de uma fábrica de embalagens de aluminio.        E era  monitor do Aero-Clube de Luanda a titulo gracioso.

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Nascido em Itália, em 1925, mas criado no Brasil, num   pequeno  rancho  nas proximidades de Porto Alegre, era um gaúcho consumado,  embora  filho de pai italiano e mãe austríaca ( Por vezes italiana, pois que nascera em terra irridente, que sempre saltava dum país para o outro).                                                         Adorava cavalos e bois, adorava o Rio Grande do Sul, mas queixava-se, de vez em quando, da extrema pobreza  dos seus tempos de infância e juventude que, dizia ele, não lhe  permitira acabar os seus estudos.  Embora eu, mais tarde, tivesse constatado que ele era excepcionalmente culto para um homem criado no campo.  Queixava-se sobretudo da super- potência do norte, que estrangulava o Brasil, e dizia-me que, no seu tempo,  o Rio Grande, embora enorme produtor de bovinos, era tão pobre que um par de esporas tinha que chegar para dois “vaqueros”.

Acompanhámo-nos bastante durante aqueles cinco anos  e ainda me ensinou uma série de manobras de avião, pois que eu era P.P.A. desde os 16 anos e tinha, naquela altura, um  Cessna Cardinal, quase novo,  mas ele era um piloto profissional, portanto infinitamente mais experiente do que eu, e quando se ofereceu para me treinar nuns tantos procedimentos que eu conhecia mal,  claro que de imediato aceitei.                                          Em 1975,  quando a nossa Angola chegou ao fim dos seus dias, acabámos por ir juntos para a África do Sul, em dois Volkswagen’s, porque para o avião já não consegui gasolina, eu e a minha mulher, Ingrid, ele e a mulher dele, Judy, com quem tinha casado em Joanesburgo.     Ainda estiveram um ano na África do Sul, mas depois foram para o Brasil.   …A vida complicou-se, e nunca mais soube deles.                                            

Mas o Fulvio era um admirável contador de histórias (Da sua vida real)  …e nós, como refugiados, enquanto não arranjámos empregos,  ficávamos pelas noites fóra a ouvir as suas aventuras.   …Só lamentando  quando ele parava.

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Quando em 1938 começou a Guerra, que viria a ser a  2ª Mundial, o Fulvio  sentiu-se alemão e quis alistar-se.    Mas, como só tinha 14 anos, não passou.    … Um ano depois  não aguentou mais.  Arranjou “uns papeis” e, com 16 anos (que não tinha)  já passou.   Depois de uma rápida recruta na Alemanha, foi juntar-se ao Afrika  Korps de  Rommel, a quem acompanhou durante um ano, até que o alto comando alemão lhe retirou os aviões.   …E sem aviões, sem italianos, que tinham debandado, e com metade dos blindados feitos de tábuas e cartão, acabou a “Raposa do Deserto” por ser derrotado em El Alamein.  Mas o Fulvio, por artes  mágicas, conseguiu escapar e regressar à Alemanha, indo acabar a guerra no Mar do Norte, num caça-minas improvisado, que era na verdade um pequeno pesqueiro de casco de madeira . 

Finda a guerra, foi o nosso amigo parar a um campo de concentração na Escócia, donde acabou por ser recrutado para trabalhar como mecânico numa farm próxima onde estavam a instalar, em semi-improviso, uma fabriqueta (montagem) de tractores agrícolas Fergusson.

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Ora aconteceu que essa era precisamente a Farm onde  Rudolph Hess tinha aterrado, na sua tentativa de paz, para ser levado pela altamente aristocrática família que ali vivia, a  um secretíssimo meeting em que a proposta iria ser apresentada.    

Mas o Fulvio só veio a saber isso uns tempos depois, quando a disciplina se tornou mais folgada e ele pôde aproximar-se do pequeno pavilhão, onde a  família, que antes habitava o vetusto castelo,  estava agora a viver, mais ou menos em residência fixa.                  E  com o tempo, acabou por, em razoável à vontade, vir,  de vez em quando, passar uns  serões com esses simpáticos  escoceses,   chegando  por fim a descobrir que tinham   eles especial intimidade com o Duque de Windsor, que chegara a ser o King  Edward  VIII  of England.

Li, há muitos anos, “Conversações com Rudolph Hess”, da autoria do, na altura  coronel,  norte-americano Bird, que foi durante um ano director da prisão de Spandau, na Alemanha Federal, considerada a prisão militar mais cara do mundo, pois que dispunha de todo um completo aparato de alta segurança, embora a nível civilizado, para um único prisioneiro,  …o general alemão Rudolph Hess.                                                                                 

Bird tornou-se rapidamente um admirador de Hess  que, pelo seu lado também parece ter sido  de imediato conquistado pela simpatia de Bird,  acabando por concordar em lhe ditar as suas memórias de guerra.                                                                                          

E é conjugando os relatos de Bird com as histórias do Fulvio Arri que me vou permitir fazer as considerações que se seguem:          

O  ponto que mais avulta nesses relatos, que até hoje não percebi como podia ter sido divulgado, refere que no final de cada ano de prisão, era Hess secretamente levado perante um júri de  oficiais de alta-patente das potências vencedoras que, embora a condenação de Nurenberg tivesse sido de prisão perpétua, dele inquiriam se estaria disposto,  sob juramento,  no caso de ser libertado, a não revelar a razão da sua aterragem na Escócia.         …E sistematicamente o general alemão respondia que, se o libertassem, a primeira coisa que faria era revelar ao mundo aquilo que o levara a tão desesperada tentativa.                   Produzia-se então  uma opinião psiquiátrica, que o declarava mentalmente insano,  e assim ia  ele ficando sempre condenado a mais um ano de detenção,  …até   à sua morte, em 1970 .                  E, não me lembro se Bird o diz declaradamente, ou se só o dá a entender, ou mesmo se a revelação me foi feita pelo Fulvio,  mas “a  possível e ameaçadora declaração de Hess”, assim  tão ciosamente velada, seria  a de que:                                 

“Ele tinha aterrado na Escócia, para um ‘top secret meeting’, onde apresentaria uma Proposta de Paz em Separado, entre a Alemanha  e a Inglaterra, de modo a estancar a tremenda e estúpida mortandade,  que nessa altura já  ia em cerca de (6)  seis milhões de vitimas.”                                                                                             Mas, como se sabe, Rudolph Hess foi preso e raptado logo após a aterragem,  e impedido desse modo o meeting que ele pretendia, pois parece que só tornou a aparecer  no Tribunal de Nürenberg , no célebre e inédito “julgamento dos generais vencidos”, onde praticamente não conseguiu falar.

Afinal, pelo impulso de tremendas forças ocultas, acabou a guerra por ser continuada por mais 4 anos, atingindo o cômputo,  agora   conhecido, de  (66)  sessenta e seis milhões de mortos.

…Ele podia ter salvo muitos desses milhões…                                           

A proposta era a de acabar com a guerra a ocidente, que não tinha qualquer razão de ser, de modo a que a Alemanha pudesse continuar a invasão da União Soviética,  único objectivo que tinha sido, na verdade, previamente planeado, e que só se foi protelando porque a Polónia negou a passagem à Wermacht, em direcção à URSS,  o que acabou  por levar britânicos e franceses   a declarar a guerra  à Alemanha.         

Os alemães que, pelas cláusulas do Tratado de Versailles, tinham ficado, desde 1918,  sem terra,  até mesmo para semear o trigo, para o pão de cada dia,  nunca pretenderam ocupar as super-ocupadas terras a oeste.      O objectivo do  Nationalsozialism era alcançar a pouco povoada  Ukrania  (Para a produção de Trigo),  bem como o semi-desértico Cáucaso (P. obtenção de Petróleo).     As Divisas patrióticas dessas campanhas foram o “Espaço Vital” (Lebensraum) e o “Pangermanismo” (Deuschverbindung), visto que os ukranianos também eram germânicos.  (Grande parte das unidades militares alemãs S. S.   era exactamente recrutada e constituida por ukranianos.)

Em contra-partida comprometiam-se os alemães  a garantir à Inglaterra a manutenção do seu total domínio mundial.

…Na prática:  Hegemonia na Europa continental para a Alemanha. …Hegemonia sobre o resto do Mundo para a Inglaterra.    (…Uma espécie de  2ª Versão das Tordesilhas).

Parece entretanto ter constado que, durante os anos que precederam a guerra, se tinha estabelecido um forte, mas hermeticamente secreto, entendimento, que já apontava no sentido da proposta de Hess, entre um grupo britânico liderado por Edward, Principe de Gales ( Que depois foi Rei Edward  VIII, e por fim, Duque  de Windsor e Governador das Bahamas  até ao fim da Guerra ) e altos circulos alemães nazis,  conhecida que já era a simpatia do Príncipe pelo “National Sozialism ”alemão.

Sendo uma opinião corrente na época, que fora essa tendência do príncipe que tinha levado o Prime Minister Stanley Baldwin  a aconselhar-lhe a abdicação como rei, e não o facto de ele  querer consorciar-se com a, duas vezes divorciada, norte-americana Wallis Warfield Simpson.                                                  

Terão talvez funcionado as duas razões.             

J.S.C.

4 comentários:

  1. Zé Tói, fico sempre fascinado com o modo como relatas as tuas já longas vivências, e a tua fundamentada análise histórica.
    Parabéns e por favor não pares.
    Um abraço do primo
    Zé Manel

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  2. J.SA Carneiro

    Fiquei muito contente em ler seu relato, pois os longos discursors, oa longo de muitos anos, ainda sao lembrados. No fundo nos tinhamos razao.
    Entre em contato comigo.
    Abracos Fulvio Arri.

    Adress: fulvio.arri@gmail.com

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  3. Muito interessante os relatos.Especialmente para quem conheceu o Fulvio. Infelizmente ele faleceu num hospital perto de Limoges na França em setembro de 2012

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  4. Pensamos sempre que as pessoas que admiramos são eternas. Fúlvio Arri foi meu instrutor de PPA em Luanda. Visitei-o e à Judy em Joanesburgo e hoje fiquei a saber do seu falecimento. Naturalmente a vida é um sopro mas fiquei triste.

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