segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

CRIOULISMO - DISSERTAÇÃO

                                                                                                   J. Sá-Carneiro

                                                                                                   (Memória  2007)

CONCLUSÃO

( Embora este texto não seja mais do que um breve projecto, na iminência de sermos chamados a Angola em qualquer momento, e nada podermos fazer durante o 2º periodo, queremos deixar nele inscritos, num máximo possivel, "elementos de algum valor informativo", de modo a fazer jus, pelo menos a uma modesta Creditação. )

Qual a razão do nosso esforço no elogio do Crioulo Angolano?

Porque vivemos 40 anos em África ( Angola e África do Sul ), mas tambem o resto da nossa já longa vida aqui em Portugal, podemos facilmente chegar à conclusão de que, pelo menos actualmente, ambos estes Paises vivem mal. Sentem-se dificuldades e carências por todos os lados, e não se vislumbram as possiveis soluções.

Angola é rica, mas tem enorme carência de "quadros".

Portugal terá "quadros", mas é excessivamente pobre.

A verdade é que Portugal e Angola são, cultural e economicamente , complementares.

Já o sabiamos há 50 anos, e foi nessa base que, as economias de ambos, desde aí, e até à Independência de Angola, continuamente se desenvolveram.   ...E bem!

É evidente que Angola já não é colónia. Angola é agora um Estado Soberano, e muito maior que o nosso Portugal. Mas isso não impede, de modo algum, que se torne a estabelecer um "plano conjunto".

Assim vamos tentar reproduzir o que já foi dito algumas vezes, em artigos do nosso próprio punho:

"No que pensamos é numa Cooperação Ampliada, Cultural e Económica, que, se for feita nos moldes convenientes, os Angolanos decerto aceitarão e que seria para os dois lados da maior conveniência".

Como o desenvolvimento cultural, e até industrial e agricola, de Angola ainda será, por muitos anos, processado em lingua portuguesa, claro que haverá sempre a maior necessidade de professores, engenheiros e outros técnicos, agrónomos, silvicultores e até médicos . Etc.

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...Porque não voltar a desenvolver a nossa Medicina Tropical, que chegou a ter vulto de

relevo internacional nos anos 50 e 60 ?

Porque não construirmos um Hospital Universitário, em Luanda?

Porque não uma Escola de Agricultura Tropical? ...Para angolanos e portugueses, claro.

Angola precisará também de manuais didáticos, literatura cultural e ligeira, bem como de muito outro serviço tipográfico, e até cartográfico, ...e muito, muito mais.

...Em contrapartida poderiamos ter nós posições preferenciais em muitas das produções de Angola, que seriam aqui consumidas, ou espalhadas por toda a União Europeia, ou mesmo reexportadas para terceiros paises, em muitos casos com "draubaque".

Simplesmente tudo isto teria que ser negociado com um máximo de inteligência, honestidade e respeito, de parte a parte.

...E o processo levado ao ponto de Grandes Empresas Nacionais dos dois Paises.

...E o Luso-Crioulismo Angolano tudo facilitaria. ...Pois seria fácil a comunicação!

....Há concerteza um aspecto de que podemos ter absoluta certeza: Os Angolanos

gostam de Nós, ...preferem-nos a Nós, ...E Nós gostamos dos Angolanos.

...Todavia é preciso saltar do "abstracto" para o "concreto"! ...É preciso começar!

Para terminar, tudo o que esperamos é que estas linhas chamem a atenção de alguém com mais capacidade, menos idade, e em melhor posição do que nós, para estudar e, se lhe encontrar algum mérito, activar e levar a cabo um tal programa."

Cascais, 13 de Abril de 2007

José Antonio de Sá Carneiro

 

CRIOULISMO - DISSERTAÇÃO

                                                                                                   J. Sá-Carneiro

                                                                                                  (Memória  2007)

CAPITULO II

O ACTUAL CRIOULISMO JÁ NÃO DEFINE RAÇAS, MAS SIM CULTURAS

Os descobrimentos, e a expansão portuguesa que depois se lhes seguiu, tinham que nos levar ao encontro dos mais variados povos, bem como das suas respectivas culturas.

E, como é natural, até porque ao tempo eram demoradas as permanências nesses lugares tão distantes, levaram-nos também à fusão de muitas dessas culturas com a nossa, de europeus e portugueses.

De inicio, este fenómeno, que se verificou com extremo vigor no Oriente, e muito debilmente, por exemplo, no Brasil, pois que os índios americanos se mostravam arredios, teve talvez o seu maior desenvolvimento na costa ocidental da África, infelizmente em redor do que chamamos o "tráfico" esclavagista.

O vocábulo "crioulo" parece ter como étimo a palavra castelhana "criadillo", que julgamos que era usada nas Antilhas, pois que ao tempo, na costa de Àfrica, o dialecto que se usava era o "pidgin", que dizem ser muito parecido com o crioulo de Cabo Verde.

E voltando a citar: "É importante trazer para aqui uma das primeiras zonas da crioulização,  pouco mais de meio século decorrido desde o inicio da expansão portuguesa

-1415- nas costas africanas onde, com o tráfico, se iniciava esse processo de crioulização, transposto depois para outros continentes, mas com a mesma base escravista" (7).

"A relação do 'mundo crioulo' com o português foi assinalada em congresso realizado sobre as linguas crioulas no University College, pelo Prof Wallace Thompson, que formulou a ousada hipótese de uma origem única para todos os falares crioulos, que se encontraria no "pidgin" ou "proto-crioulo português". (7)

Permita-se-nos agora dar um salto no tempo, e passar a uma época já nos alvores literários de Angola..

Não falando de algumas publicações oficiais, da Imprensa Nacional, que apareceram nos primeiros anos do séc XIX, assim como umas tantas gazetas periodicas, que apareciam e desapareciam, o primeiro livro, impresso e publicado em Angola terá sido da autoria de José da Silva Maia Ferreira, era de poesias e intitulava-se "Espontaneidades da Minha Alma - Às Senhoras Africanas"

O autor era, pelo nascimento e educação, um crioulo de Angola, mas filho de pais portugueses.

Daí em diante foi profusa a produção literária angolana, sobretudo sabendo-se a exiguidade da sua população letrada, nos primeiros tempos.

O maior escritor angolano do Crioulismo foi, sem qualquer duvida, Mário António Fernandes de Oliveira (1934-1988), de quem acabámos de fazer algumas citações..

Nascido em Maquela do Zombo, aí fez os seus estudos secundários. Licenciou-se pelo Instituto de Cências Sociais e Politica Ultramarina, e doutorou-se, em 1985, na Universidade Nova de Lisboa, aí tendo sido professor da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas.

Poderiamos referir centenas de escritores angolanos, e suas obras, mas este texto não passa de simples "esboço" de uma dissertação, pelo que vamos abreviá-lo.

Queremos assim mencionar dois livros, de literatura leve, que lemos nos ultimos tempos:

Quanto ao primeiro, a que atribuimos especial mérito, "Um Certo Gosto a Tamarindo", preferimos entrevistar, on line, o seu autor, que temos muita honra em ter por amigo, juntando a "entrevista" a este trabalho.

O segundo desses livros, um romance de José Eduardo Agualusa, chama-se "Nação Crioula", e não nos convenceu. Temos muitas dúvidas sobre o correr do seu texto, onde se fazem referências a Fradique Mendes,   mas o que mais nos chocou nessa obra foi o seu próprio titulo.

Chama "nação crioula" a Angola. ....Isso não há! Se é Nação não é Crioula, e se é Crioula não pode ser Nação. Uma coisa é a antítese da outra.

( E agora aproveitamos o ensejo para lançar a nossa "Ligeira Recensão" ):

...Angola é sim, um "Estado" com muitas "Nações".

..."Nação" significa um Território, normalmente não muito extenso, com uma só Raça, uma só Etnia e uma só Cultura, as mais das vezes com uma única Religião, ou uma Religião principal. "Crioulidade" ...é exactamente o inverso:

"Crioulidade" é a "umbrela" que a todos acoberta! ...E "Crioulismo o seu culto.

...De resto, parece-nos até perigoso, que num País com tantos grupos raciais e étnicos, que ainda há pouco saiu duma dramática guerra civil de quase trinta anos, se venham invocar ideias como "nação", "nacionalismo", etc.     ...Não parece de bom gosto!

 

Gostariamos de abordar também a vertente das "letras crioulas brasileiras", mas este texto já vai demasiado extenso, para os fins que tem que cumprir. De resto nem para isso estamos preparados.

Mas pensamos sempre que como expressão crioula não deve deixar de referir-se o "poeta naive" Catulo da Paixão Cearense.   ...Que, sendo "Naive",  ...é um "clássico"!

Também, sem dúvida, Gilberto Freire, sobretudo o seu "Luso-Tropicalismo".

E, cláro, Jorge Amado, de quem julgamos ter lido quase tudo o que nos apareceu em Angola.

Veríssimo, sendo um crioulo, de costela indiana, não é propriamente crioulo a escrever.

Joracy Camargo (Teatro) muito menos. ...É da época "europeia" do Brasil.

Mas já será um escritor crioulo, em moldes modernos, José Mauro de Vasconcelos.

Mas temos que nos lembrar que estamos a fazer um simples “sketch”   ...que já vai ficando comprido demais., pelo que é necessário dá-lo por findo.

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(7) Mário António Ferreira de Oliveira, A Formação da Literatura Angolana, Imprensa Nacional Casa da Moeda, Lisboa 1997

CRIOULISMO – DISSERTAÇÃO

                                                                                J. Sá-Carneiro

                                                                                (MEMÓRIA     2007)

CAPITULO  I

O CRIOULO ORIGINAL ERA DE RAÇA BRANCA

É vulgar que se estabeleça a confusão entre "crioulidade" e "mestiçagem".

...Entretanto uma coisa nada tem a ver com a outra. Mestiçagem é a combinação de duas (E às vezes mais) raças.     Crioulidade  e crioulismo referem-se a sociedades e comunidades, que englobam  várias raças, em vivência conjunta, e que detêem uma  "cultura" própria.

Originariamente o "crioulo" era de pura raça branca. Mas, mais tarde, passou-se a chamar tambem "negro crioulo", ao que fora "nascido e criado na colónia". ( Brasil).

Vamos começar por algumas definições:

"Crioulo é o homem ou mulher brancos, originários das colonias", ..."negro crioulo é o nascido na colónia, em opposição ao proveniente do tráfico" (1)

" Créole est une personne de pure race blanche, née aux colonies".

"Creole is a term used originally from the 16th to the 18th century to denote white persons born in Spanish America of Spanish parents" (3)

"Creole is a descendant of French, Spanish or Portuguese settlers of Louisiana and the Gulf States who retains his special speech or culture." (4)

"Creole State is the Nickname of Louisiana" (4)

"Sabemos que pelo correr do Séc. XIX se passou a chamar também crioulo ao africano negro que falava e escrevia o português ( Ou francês ou castelhano ) e, naturalmente aos mestiços resultantes das duas raças. Passava  assim o   termo  "Crioulo" a definir e caracterizar uma determinada "cultura", em vez de qualquer conceito de 'raça' ". (5)

Também aos naturais do sul da India, Malásia e Indonésia, sejam de qualquer das raças indigenas, mais escuras ou mais claras, ou de origem puramente holandesa no caso da Indonésia, ou mestiços provenientes das suas combinações, se chama crioulos.

"Dialectos crioulos" são as várias formas de expressão usadas nas diferentes regiões, continentais ou insulares, e que têm por base as linguas europeias ( Português, castelhano, francês ou holandês ), conforme a proveniência do colonizador.

"A primeira vez que se nos impôs o uso do termo "crioulo" foi na caracterização cultural da cidade de Luanda, por nós entendida como uma " ilha" crioula. Dizíamos que a situação linguistica na cidade de Luanda, variável ao longo dos tempos, apresentava no século XVII formas de um crioulo generalizado na comunicação entre os moradores. (...) verifica-se uma diferenciação linguistica, quer do português, quer do quimbundo, através das suas mútuas aquisições". (6)

É verdade que, como fórma de expressão generalizada, nunca o crioulo se firmou em Angola. E é o português que, felizmente, como o inglês na India, a todos acoberta.

Como se entenderia Angola, falando como fala uma dúzia de linguas e dialectos, que vão do quicongo e quimbundo, ao humbundo e mokobal, até ao bosquimane ( ou mukankala) que é falado aos estalidos com a lingua?

...Mas a grande vantagem de Angola falar português ...é a de poder continuar a falar com Portugal. ...E não há dúvida de que o crioulo de Angola, referimo-nos ao homem, não ao dialecto, se sente, senão português, pelo menos luso-angolano.

E é essa feição luso-crioula de Angola que torna facílimo o entendimento e a colaboração, sejam quais forem os fins procurados, sociais, culturais, comerciais ou económicos, entre portugueses e angolanos, bastando afinal que ambos se respeitem e comportem com um máximo boa vontade e lealdade, para serem alcançados muitos objectivos, que qualquer dos dois, sozinho, dificilmente alcançará.

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(1) Dr. Frei Domingos Vieira, Thesouro da Lingua Portuguesa, Ernesto Chardron,

e Bartholomeu de Moraes, Porto e Rio de Janeiro, 1871.

(2) Petit Larousse, 1960.

(3) Encyclopaedia Britannica (Micropaedia), 1978.

(4) Funk & Wagnalls Dictionary, J. G. Ferguson Publ. Company, Chicago, 1976.

(5) J. Sá Carneiro, in Raizes - Laços e Lingua, Nov. 2000.

(6) Mario Antonio de Oliveira, Luanda - Ilha Crioula, Agencia Geral do Ultramar, Lisboa 1968.

sábado, 23 de janeiro de 2010

CRIOULIDADE E CRIOULISMO

INTRODUÇÃO  A  UMA   DISSERTAÇÃO                       

                                                                                             (Memória - 2007)

Em redor de todo o Globo Terrestre, ocupando uma faixa de 46 graus, entre Cancer e Capricórneo, nos belissimos e riquíssimos territórios por onde os Europeus espalharam, durante quase cinco séculos, as suas colonizações, vamos hoje em dia encontrar, em vários estágios de desenvolvimento e estabilização, gigantescas comunidades crioulas.                                

É crioula praticamente toda a América Latina, exceptuando-se, talvez,   a Argentina e o Chile. 

E até nos U.S.A. se diz que New Orleans é a Capital do Creole State:     Luisiana.

São tambem crioulas, do outro lado do mundo, a Indonésia, as Filipinas, bem como o sul da India, da Malásia ...e um sem número de Ilhas por todo o Indico e Pacifico.

...Não é crioulo o Norte de Àfrica porque, na verdade, nunca se chamou crioula à combinação de Árabes, Negros e Berberes ( E os europeus ali não são muitos).

A esses foi dado o nome de Povos Arabisados, ...que será afinal a correspondência aos nossos Povos Crioulos.

Perfeitamente definido como País Crioulo, até mesmo com dialecto próprio, é o ex- português Cabo Verde, bem como a ex-espanhola Ilha de Fernando Pó.

Mas, descendo a costa africana, vamos encontrar a África do Sul com fortíssimas comunidades crioulas, aí  predominando o crioulsmo Afrikaner.     Mas também o temos Malaio e Indiano ,  e ,     ...e até Português.

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E em Angola? ...Em Angola, até meio do Sec. XX, era quase totalmente crioula a parte civilizada da população. Quando chegámos a Luanda, em 1942, não havendo propriamente um dialecto angolano, era muito especial o sotaque doce e cantante com que ali se falava o português.   Era tambem deveras peculiar   a maneira de ser e o comportamento dos angolanos evoluidos, fossem brancos, mestiços ou negros. ( Em  Angola dizíamos “pretos”, para não nos responderem que  "Negro  é  o  carvão"! )                                                                                   No inicio dos anos 50, criado o colonato da Cela e aberta a imigração, começou essa comunidade crioula a diluir-se, engolida no meio de tanta gente que vinha de fóra.

Diz-se agora que era muito difícil ir para Angola, …que era precisa Carta de Chamada.

...Talvez fosse, enquanto não havia condições para receber ninguém.  Éramos muito pobres.   Em Luanda não havia casas de luxo, como cá, e íamos para a escola a pé, à torreira do sol. Não  existiam universidades, nem piscinas.     …Conservávamos os automóveis 10 ou 15 anos, e usávamos pneus recauchutados.

Aliás foi exactamente para a Cela que o Estado Português, pela vez primeira, financiou um movimento de instalação de colonos. Pois que, até aí, éramos nós,  afinal “colonos mais antigos”,  que,  a pedido do governo local, tínhamos que inventar empregos  para os recém-chegados.  E, a seguir,   financiar, pelo menos , os seus tempos de adaptação.

Mas depois veio a alta do Café, e agitou-se a comercialização dos Diamantes.

...E por fim descobriu-se o Petróleo. ...E, embora os lucros viessem todos para cá, a vida foi melhorando.

...E Angola já podia receber gente. ...E recebeu!

Quando lá chegámos, em 1942, havia 15.000 brancos em Luanda e 50.000 na colónia toda. Quando rebentou o terrorismo, em 1961, já Luanda beirava os 200.000 e Angola estava a caminho do meio milhão. O Censo de 1970, foi travado a meio, não sabemos porquê, mas constava, pelos bastidores que, com os mestiços, já se chegava ao milhão.

...Já havia ardinas, cauteleiros, e engraxadores brancos pelas ruas da baixa.

Nos anos 60 veio a tropa. E, num grande número de casos, uma vez desmobilizados, os soldados ( E mesmo os oficiais) ficavam lá. Poucos queriam voltar a Portugal. Ou vinham a Portugal casar e tornavam para Angola. ...quando não casavam lá ...e rapidamente aparecia a prole.

...Por essa altura foi o Crioulo por completo submergido.

...Já não se ouvia o "sotaque".      ...O Crioulo, preto, branco ou mulato,   ...tinha desapareccido!

     Cascais,  Março de 2007                J. Sá-Carneiro

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

PITHECANTHROPUS / ANTHROPITHECUS

(Este “Versus” não é Antagonismo. É só Diferença.)

                                                                                                            O Pithecanthropus foi o mais evoluído de todos os Macacos.                                                                                      O Anthropithecus foi o primeiro Homem. 

No inicio da criação eram muito parecidos.  Ambos tinham  grandes dentes,  unhas quase como garras e pêlo comprido.   Ambos se alimentavam de frutos e raízes.       Os dois comunicavam por guinchos.    E ambos trepavam às árvores quando chegava o Leão.    Era quase nula  a diferença entre eles,  e os outros animais viam-se em dificuldade para os conseguir distinguir.

Porém  enquanto o  Pithecanthropus  ( macaco-homem) cristalizou na sua primitiva fórma mental, e ainda hoje é o mesmo bom macaco de sempre,  o Anthropithecus  (homem-macaco)  lançou-se numa  contínua evolução cerebral (e até mesmo anatómica, no seu geral) a qual nunca mais parou.

E aqui temos que rever a Teoria do Transformismo do francês Lamarck, que nos parece bem mais fácil e natural que  a outra, da Evolução das Espécies, de Darwin, sendo até a francesa  60  anos mais antiga.

Mas afinal como conseguiu o Homem uma tal evolução?     

Acumulando, de geração para geração, através dos séculos e dos milénios, mais e mais conhecimento. Transmitia-o primeiro pela palavra, depois pela escrita.  Hoje transmite-o pela electrónica.      

Ao mesmo tempo ia mudando  os seus hábitos, o que acabou por levar à estilização da sua anatomia.

E assim,  após todos estes milhares de anos,  a adir cada vez mais e melhor sabedoria, veio finalmente a  acabar  por  se  tornar  abissal  o  fosso  que agora separa os dois primatas.

Aprendeu a dominar o transporte, pela terra, pelo mar e pelo ar, conseguindo até já movimentar-se através do espaço exterior.                            

É também capaz, e de modo muito avançado, de manipular a comunicação, em som e em imagem, ultrapassando afinal a  espantosa  “transmissão do pensamento” à distância,  considerada “bruxaria” ainda há pouco mais de cem anos.

Mas a maior das suas realizações parece-me  ser, na verdade, essa de proceder ao registo  do  seu  comportamento através dos tempos: …A História.  

E depois, embora com muito menos segurança, a de conseguir, na medida do possível, planear o seu futuro.                                                      

E, graças a estas faculdades, de memorizar o passado e projectar o futuro, consegue o homem  “viver  no infinito dos tempos”,  enquanto que as outras espécies, sem pretérito, nem porvir, são obrigadas a só “viver” os curtos “ápices” das suas breves vidas.

Em suma:  A enormíssima “vantagem” do Homem  sobre os outros animais é a de ser ele o único que tem HISTÓRIA.

Por outro lado não pode o Homem engalanar em Vaidade,    …porque tudo o que conseguiu, até agora, é ainda extremamente pouco:

Mal conhece, por exemplo,  o seu próprio corpo, que só muito recentemente, pela descoberta do ADN, começa a ser revelado.    …Não  consegue controlar a maior parte das doenças.   Não é capaz, de um modo quase geral, de resolver os problemas  económicos e até alimentares da Humanidade.

Arquitectou mil Teorias Filosóficas, …porém  não logra, de forma alguma, alcançar o menor conceito, nem em “espaço”,  nem  em  “tempo”,  do que  seja uma “Teoria do Infinito”.

E,  sobretudo,  é completamente incapaz,  fóra dos termos das gnoses religiosas,  de construir  a mais pálida das concepções de uma Ideia de DEUS. 

O Anthropithecus ainda tem um longo percurso a percorrer!                                                                                

Mas porque irei eu  começar o Ano com macaquices?

Talvez pelo eterno receio de que algum  Pithecus mais desembaraçado  ponha uma gravata e se meta entre nós, a provocar ainda mais confusão do que a já existente.

      Cascais, o5  Jan. 2010                   J. Sá-Carneiro

                    

domingo, 3 de janeiro de 2010

VIAGEM DE RETORNO DO “EASY”

(  PORQUE  ME  CHAMAM  “WATERPROOF )

...Voltar para o Norte, para casa, foi sempre mais complicado! ...O barco era um Rush, acabado de estrear, à volta de 30 pés, Bénéteau ou Jeanneau, não me recordo.

...Para baixo tinha sido fácil ..Vento de popa ...e bom tempo! ...Nem sei quem timonara. ...Depois, durante toda a semana, tinham andado de porto em porto (e de petisco em petisco), correndo a costa algarvia, incluindo Vila Moura, a unica marina em Portugal naquele tempo. Julgo que quase sempre a motor, porque nenhum deles tinha grande treino de vela.

Quem eram? ...O dono do barco era o Eng. José Canto Moniz, que tinha sido Ministro dos Transportes e Comunicações, no tempo do Estado Novo, e tambem Director da Ponte do Tejo, agora “25 de Abril”, durante a sua construção. Teria nesta altura sessenta e poucos anos, muito bem conservados. Nunca percebi porque tinha comprado aquele barco, pois não era velejador. Os outros dois eram seus familiares: Um genro, estreante em vela, o João Paulo Antunes Mesquita, advogado, de extrema e espirituosa simpatia, e um sobrinho-neto, o célebre “Batata” Cerqueira Gomes, conhecidíssimo no Porto, bom praticante de windsurf, e óptimo companheiro, mas que nada sabia de veleiros.

Assim, quando foi altura de regressar a Lisboa, pediram uma ajuda ao sobrinho do engenheiro, o cirurgião, hoje em dia de renome, Carlos Canto Moniz, (que ainda continua a ser “Irmão da Costa”, como nós), praticante de vela toda a vida, desde os Lusitos aos Vougas e Snipes, e depois, já nos Cruzeiros, em viagens a Vigo e a Lisboa,

pois fazia base em Leixões, e mais tarde até Ibiza e regresso, “um feito” naquela época!

...Verdadeiro estofo de mareante!

O Carlos telefonou-me a perguntar se lhe queria fazer companhia.

Isto passa-se em Setembro de 1983. Eu tinha tirado a carta de Patrão de Alto-Mar um ano antes, ao tempo à base de sextante, cronómetro e almanaque ( Ainda não havia GPS, nem sequer Satnave), e fazia os cálculos com certa facilidade. Mas, embora muito habituado, desde garoto, ao mar e a lanchas, nas águas de Luanda, só tinha a prática de vela de um pequeno Monotipo, o “Ferrabrás”, que tinha tido em Angola, dos 15 aos 19 anos, até vir fazer a tropa em Portugal. ...E de 3 ou 4 viagens de “pendura”, a V. Moura.

Eu e o Carlos chegámos ao Algarve, de automóvel, ao cair da noite. O Rush estava no porto de pesca de Lagos. Nós hospedámo-nos em casa do tio, na Praia da Luz. Havia muita gente em casa, primos e primas, e o ambiente estava simpático e alegre.

Jantámos bem, e depois bebemos uns copos, acabando por nos deitar sobre o tarde.

No dia seguinte, um sábado, não conseguimos arrancar para Lagos antes das dez da manhã. Resolvemos lavar o barco. Depois abastecer: Gasóleo, óleo, comes e bebes.

...E acabámos por partir ao meio dia. Eramos cinco a bordo.Todos muito bem dispostos!

O Carlos, como não podia deixar de ser, era o skipper. Umas horas mais tarde, já quase em frente de Sagres, começou a levantar-se um Norte esquisito, com rajadas duras, que eu julgava ser raro na costa sul, naquela quadra. ...Estavamos na ultima semana de Setembro.

...Quando dobrámos o cabo de São Vicente o vento tornou-se tão forte que, mesmo com vela e motor, não conseguiamos progredir. Falou-se em voltar para trás, ...o que se teria feito desde logo se o Carlos não tivesse cirurgias marcadas no Hospital de Sta Marta para a 2ª feira seguinte. Começámos a tentar o largo, para fugir ao “mar trapalhão” da zona de S. Vicente. Às 7 da tarde parecia noite cerrada. ...E já estavamos 8 ou 10 milhas fóra, ...e nada de progredir para norte. ...Viamos sempre o farol pelo través...

Pelas oito da noite, já muito afastados da costa, ...estava tudo a dormitar. ...Menos eu.

Mandei todos para a cama, e fiquei sozinho no cock-pit. ...Sempre à vela e a motor

Foi “um quarto” de 4 horas. ..À meia noite, já com bastante mar, e o farol quase na mesma posição, resolvi acordar o Carlos, para me render. ...E aí fui eu para o beliche. ...Mas não consegui dormir. O tio Zé dormia no beliche do outro lado, mas amarrado com correias. Os outros dois, na proa, como era tudo cama, estavam ferrados. ...Porém eu nada! ...No espaço duma hora caí três vezes da cama abaixo. Disseram-me depois que havia uma correia, mas eu não a encontrei. ...À terceira vez fiquei danado! ...Enfiei o impermeável e fui lá para fóra. ...“Ainda bem que vieste”, disse-me o Carlos,” porque eu quero ir tirar a genoa e não tenho piloto automático”. Não me lembro se não tinhamos mesmo piloto, ou se estava avariado. Tambem não havia enrolador. ...De qualquer modo eu nem tive tempo para chegar a conhecer o barco. ...Lembro-me que chuviscava, e a noite estava bastante fria para Setembro.

O Carlos que, como o Tabarly, nunca usava arnês, desta vez afivelou-o, e foi para a proa embrulhar a genoa, que só nos estava a complicar a vida porque o vento não parava de saltar de um lado para o outro. Quando voltou, (Ele mais tarde dizia que nem sabia porquê), engatou o arnês na amurada. ...E foi o que valeu!

Como não se conseguia progredir para norte, o Comandante resolveu regressar ao porto da Balieira, para ali aguardar melhores condições de tempo. ...Ideia que logo aplaudi! E lá vinhamos, entre piadas e comentarios sobre o mar, com o vento a rondar para a popa , até que eu fui à cabine, creio que buscar café. ...E, enquanto procurava o térmus, fui arrumando alguma coisa do muito que estava espalhado pelo chão. Quando voltei cá para fora e me sentei no cantinho, junto à cabine, diz-me o Carlos: “Já temos o vento completamente de popa, mas o mar continua do Norte, e só com o motor é que consigo manter o rumo”. ...E pouco depois: “De vez em quando vêm umas séries de seis vagas, que devem ter p’raí oito metros!” . Realmente, olhadas da cava ao topo, pareciam montanhas. ...E quando passavam por nós quase que era agradável, porque vinham muito certas. ...Vagas de embalar! ...E de repente ele deu um berro: “Olha a sétima!” ...E a sétima apareceu por cima do mastro! ...Toda preta, e branca lá em cima! O barco orçou na cava da onda e deitou-se de lado, com o mastro paralelo ao mar. A vaga escorregou toda por cima da vela grande, ...e eu ...senti-me de trenó, ...”surfando” ao longo da vela! Não tinha arnês, cláro!

Quando a espuma se desfez e o barulho parou, ...realizei que me encontrava a uns vinte metros do Rush, ...que já estava direitinho outra vez, pois que via a luz do mastro!

Aí começou a pesca. ...E o peixe era eu! ...O Canto Moniz, como tudo o que estava no cock-pit, incluindo a tampa da balsa, tambem tinha saido borda-fóra, e creio que para debaixo da vela. Mas, como tinha o arnês, embora tivesse dado uma tremenda pancada no costado, ficou firme, agarrado à borda. ...Mas sem conseguir içar-se, claro.

Os outros três, quando abriram a porta da cabine e viram o cock-pit vazio, apanharam o o maior cagaço das suas vidas, ...pois nenhum deles sabia pegar no barco, sobretudo com um mar daqueles! ...Mas nessa altura ouviram o Carlos berrar. ...E foi um alivio!

Os três, à uma, lá conseguiram puxá-lo para cima. Não sei bem se o motor nunca parou ou se arrancou no momento. O facto é que eles imediatamente começaram à minha procura.

...E todos se portaram maravilhosamente! ...De resto eu digo muitas vezes que, se ainda estou vivo, ...ao Carlos Canto Moniz o devo! ...Bem como àquela tripulação!

( Uma semana depois, em casa do Mendes Madeira, no Estoril, estivemos a ver catrapázios com histórias náuticas e estatisticas de desastres: “Homem ao mar” de noite e com mau tempo, ...tinha 4 ou 5 por cento de salvamentos. Acho que aí é que senti verdadeiro medo!

...Tenho a certeza que, com o mar que estava e a desmoralização que, na circunstância, logo se instala a bordo, e até porque de inicio não me viam em parte alguma, a maioria dos “marinheiros amadores”, ...”pessoas comuns”, teria era procurado fugir dali, voltando o mais depressa possivel para trás do Cabo de S. Vicente! )

Quando dei por mim na água, e no escuro, sem May West, e longe do barco, ...não foi muito agradável a sensação! ...Entretanto percebi que o ar que tinha dentro do impermeável, com um elástico na cintura e fechado com zip, me dava uma certa sustentação. ...O pior é que, pouco a pouco o ar ia fugindo. ...E a água estava cada vez mais fria. ...Ainda pensei em tirar os sapatos para nadar melhor. ...Mas nadar para quê? ...Era melhor morrer calçado. ...A verdade é que nunca entrei em pânico. ...A dada altura esbarrei com uma coisa branca. ...Era a tampa do compartimento da balsa, e tinha boa flutuação. ...Aí comecei a sentir-me melhor.

...E nesse momento eles a bordo encontraram uma lanterna, ...que felizmente acendia...

Quando a luz passou por mim, mostrei a tampa da balsa, e eles vieram na minha direcção e atiraram uma boia. ...Mas a boia era daquelas de ferradura e muito leve. Com vento para pouco servem. O vento pegou-lhe e, com lâmpada e tudo, passou por mim, a dois ou três metros, e às cambalhotas. ...Ainda dei umas braçadas atrás dela, ...mas ia muito rápida e eu só me cansava, e nunca a apanharia. Boias daquelas, só com retenida ou poita. Depois disso, sempre as evitei nos dois barcos que aqui tive.

Daí para a frente começou a cegada. Fizeram meia dúzia de tentativas, mas quando estavam perto de mim, o mar fazia escorregar o barco pela vaga abaixo. ..Cheguei a estar agarrado à borda e a entregar a tampa da balsa ao Carlos que, com a ânsia de me agarrar, a atirou fóra. O pior foi que o mar arrancou-me da borda ...e eu já não tinha a tampa! ...O tempo começou a piorar, e o barco tanto me aparecia a norte como a sul, a este como a oeste. (...Ou assim aparentava.) ...Há uns momentos, depois de passar a vaga, em que o mar se cala, ...e se consegue berrar. ...E eu pedia-lhes um cabo! ...”Um Cabo!”... Mas não havia um cabo no cock-pit. A vaga tinha levado tudo. ...Então o Carlos lembrou-se de pôr na água as escotas da genoa, que por sinal estavam demasiado compridas e até já tinhamos embirrado com isso. ...Mais meia dúzia de tentativas, ...mas o barco sempre escorregava, enquanto que eu, que estava cada vez mais mergulhado, não saia do lugar! ...E a lanterna deles cada vez mais fraca!

Então gritei para o Carlos: “Aponta o barco à minha cabeça!” ...E dessa vez o Rush roçou por mim, ...e eu agarrei a escota!

...No mesmo momento a escota do outro lado enrolou-se no hélice! ...E o motor parou!

...Se eu não tivesse agarrado naquele minuto, ...já não agarrava! Era o ultimo minuto!

E foi a fase final: Eles arriaram a escada do painel da popa, e eu comecei a tentar apanhá-la. ...Mas ela ia lá para cima, que até parecia uma torre, para depois vir para baixo como uma guilhotina! ...E eu fugia, quase a largar a escota. ...E lá foram mais

uns minutos nesta palhaçada. ...Até que, graças a Deus lhe deitei a garra!

...E de imediato entrancei as pernas no ultimo degrau.

...Daí para a frente foi mar abaixo ...e mar acima! ...Porém eu estava bem agarrado!

...Tinha só 55 anos, ...e feito muita caça submarina em Angola! ...Mas de qualquer maneira sentia-me completamente exausto! ...Tudo isto terá levado pouco mais de 30 minutos. ..Mas para quem lá estava ...durou horas!

Consegui finalmente subir mais dois degraus e tornei a agarrar-me, bem quietinho para ganhar folego. ...Nessa altura o Carlos deitou-me a mão e ouvi-o gritar: “Passem-me um cabo que o Zé Toi desmaiou!” ...Ao que eu terei respondido: “Não é, ...estou só a descansar!” ...E nessa altura, aos gritos ...“Ai que me partem os braços!”, fui selvaticamente arrancado ao mar, empurrado para dentro da cabine e todo enrolado em cobertores. ...E, em seguida, o tradicional tratamento de cognaque pela guela abaixo!

Pouco depois amanheceu, o mar baixou, e tornámos a passar, desta vez de regresso, pelo cabo de S. Vicente. O percurso até Lagos foi uma beleza. O “Easy” agora a obedecer perfeitamente ao leme, sem precisar para nada do motor. (...que de resto não tinha!) , a deslizar com alegre ligeireza ...E, já com sudoeste, sempre à vela, entrou, a cavalo numa vaga, pela Barra de Lagos dentro, onde lançaram ferro os felizes sobreviventes de mais esta página da nossa heroica “História Trágico-Maritima”.

...Mas ainda me lembro de ouvir o João Paulo dizer, com um “ar zangado”, ao Eng. Canto Moniz: “Ou o Senhor compra um barco maior ...ou eu mudo de sogro”!

Combinado um envergonhado “pacto de silêncio”, durante 5 ou 6 anos foi esta aventura mantida em completo secretismo, ...até que alguém deu à lingua ...e o caso veio a público!

...Só nunca cheguei a saber quem me baptizou de “Waterproof”.

31. Dezembro. 2006

J. Sá-Carneiro (Waterproof) *