segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

PERFIL

Ver Perfil completo e explicação do Nickname “Waterproof”

no fundo do Índice, em Outubro de 2009.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O GAUCHO QUE ME EXPLICOU A GUERRA - Aterragem de Rudolph Hess na Escócia

 

J. Sá-Carneiro                                                Cascais, 15  Dez. 2009

Já não estou bem certo, mas parece-me que conheci o Fulvio Arri  em 1970, no Aero Clube de Luanda, onde ele tinha muito recentemente  assumido funções de instrutor de voo.                    Era um bom piloto, com muita prática de zonas montanhosas, pois, no Brasil, voara alguns anos numa carreira que atravessava os Andes, para Santiago do  Chile e Valparaiso.  E depois tinha sido piloto na África do Sul, julgo que ao serviço da NBC.         Agora ali em Angola tinha um contrato como director técnico de uma fábrica de embalagens de aluminio.        E era  monitor do Aero-Clube de Luanda a titulo gracioso.

                                         _______________                                        

Nascido em Itália, em 1925, mas criado no Brasil, num   pequeno  rancho  nas proximidades de Porto Alegre, era um gaúcho consumado,  embora  filho de pai italiano e mãe austríaca ( Por vezes italiana, pois que nascera em terra irridente, que sempre saltava dum país para o outro).                                                         Adorava cavalos e bois, adorava o Rio Grande do Sul, mas queixava-se, de vez em quando, da extrema pobreza  dos seus tempos de infância e juventude que, dizia ele, não lhe  permitira acabar os seus estudos.  Embora eu, mais tarde, tivesse constatado que ele era excepcionalmente culto para um homem criado no campo.  Queixava-se sobretudo da super- potência do norte, que estrangulava o Brasil, e dizia-me que, no seu tempo,  o Rio Grande, embora enorme produtor de bovinos, era tão pobre que um par de esporas tinha que chegar para dois “vaqueros”.

Acompanhámo-nos bastante durante aqueles cinco anos  e ainda me ensinou uma série de manobras de avião, pois que eu era P.P.A. desde os 16 anos e tinha, naquela altura, um  Cessna Cardinal, quase novo,  mas ele era um piloto profissional, portanto infinitamente mais experiente do que eu, e quando se ofereceu para me treinar nuns tantos procedimentos que eu conhecia mal,  claro que de imediato aceitei.                                          Em 1975,  quando a nossa Angola chegou ao fim dos seus dias, acabámos por ir juntos para a África do Sul, em dois Volkswagen’s, porque para o avião já não consegui gasolina, eu e a minha mulher, Ingrid, ele e a mulher dele, Judy, com quem tinha casado em Joanesburgo.     Ainda estiveram um ano na África do Sul, mas depois foram para o Brasil.   …A vida complicou-se, e nunca mais soube deles.                                            

Mas o Fulvio era um admirável contador de histórias (Da sua vida real)  …e nós, como refugiados, enquanto não arranjámos empregos,  ficávamos pelas noites fóra a ouvir as suas aventuras.   …Só lamentando  quando ele parava.

                                                 ______________

Quando em 1938 começou a Guerra, que viria a ser a  2ª Mundial, o Fulvio  sentiu-se alemão e quis alistar-se.    Mas, como só tinha 14 anos, não passou.    … Um ano depois  não aguentou mais.  Arranjou “uns papeis” e, com 16 anos (que não tinha)  já passou.   Depois de uma rápida recruta na Alemanha, foi juntar-se ao Afrika  Korps de  Rommel, a quem acompanhou durante um ano, até que o alto comando alemão lhe retirou os aviões.   …E sem aviões, sem italianos, que tinham debandado, e com metade dos blindados feitos de tábuas e cartão, acabou a “Raposa do Deserto” por ser derrotado em El Alamein.  Mas o Fulvio, por artes  mágicas, conseguiu escapar e regressar à Alemanha, indo acabar a guerra no Mar do Norte, num caça-minas improvisado, que era na verdade um pequeno pesqueiro de casco de madeira . 

Finda a guerra, foi o nosso amigo parar a um campo de concentração na Escócia, donde acabou por ser recrutado para trabalhar como mecânico numa farm próxima onde estavam a instalar, em semi-improviso, uma fabriqueta (montagem) de tractores agrícolas Fergusson.

                                           _______________

Ora aconteceu que essa era precisamente a Farm onde  Rudolph Hess tinha aterrado, na sua tentativa de paz, para ser levado pela altamente aristocrática família que ali vivia, a  um secretíssimo meeting em que a proposta iria ser apresentada.    

Mas o Fulvio só veio a saber isso uns tempos depois, quando a disciplina se tornou mais folgada e ele pôde aproximar-se do pequeno pavilhão, onde a  família, que antes habitava o vetusto castelo,  estava agora a viver, mais ou menos em residência fixa.                  E  com o tempo, acabou por, em razoável à vontade, vir,  de vez em quando, passar uns  serões com esses simpáticos  escoceses,   chegando  por fim a descobrir que tinham   eles especial intimidade com o Duque de Windsor, que chegara a ser o King  Edward  VIII  of England.

Li, há muitos anos, “Conversações com Rudolph Hess”, da autoria do, na altura  coronel,  norte-americano Bird, que foi durante um ano director da prisão de Spandau, na Alemanha Federal, considerada a prisão militar mais cara do mundo, pois que dispunha de todo um completo aparato de alta segurança, embora a nível civilizado, para um único prisioneiro,  …o general alemão Rudolph Hess.                                                                                 

Bird tornou-se rapidamente um admirador de Hess  que, pelo seu lado também parece ter sido  de imediato conquistado pela simpatia de Bird,  acabando por concordar em lhe ditar as suas memórias de guerra.                                                                                          

E é conjugando os relatos de Bird com as histórias do Fulvio Arri que me vou permitir fazer as considerações que se seguem:          

O  ponto que mais avulta nesses relatos, que até hoje não percebi como podia ter sido divulgado, refere que no final de cada ano de prisão, era Hess secretamente levado perante um júri de  oficiais de alta-patente das potências vencedoras que, embora a condenação de Nurenberg tivesse sido de prisão perpétua, dele inquiriam se estaria disposto,  sob juramento,  no caso de ser libertado, a não revelar a razão da sua aterragem na Escócia.         …E sistematicamente o general alemão respondia que, se o libertassem, a primeira coisa que faria era revelar ao mundo aquilo que o levara a tão desesperada tentativa.                   Produzia-se então  uma opinião psiquiátrica, que o declarava mentalmente insano,  e assim ia  ele ficando sempre condenado a mais um ano de detenção,  …até   à sua morte, em 1970 .                  E, não me lembro se Bird o diz declaradamente, ou se só o dá a entender, ou mesmo se a revelação me foi feita pelo Fulvio,  mas “a  possível e ameaçadora declaração de Hess”, assim  tão ciosamente velada, seria  a de que:                                 

“Ele tinha aterrado na Escócia, para um ‘top secret meeting’, onde apresentaria uma Proposta de Paz em Separado, entre a Alemanha  e a Inglaterra, de modo a estancar a tremenda e estúpida mortandade,  que nessa altura já  ia em cerca de (6)  seis milhões de vitimas.”                                                                                             Mas, como se sabe, Rudolph Hess foi preso e raptado logo após a aterragem,  e impedido desse modo o meeting que ele pretendia, pois parece que só tornou a aparecer  no Tribunal de Nürenberg , no célebre e inédito “julgamento dos generais vencidos”, onde praticamente não conseguiu falar.

Afinal, pelo impulso de tremendas forças ocultas, acabou a guerra por ser continuada por mais 4 anos, atingindo o cômputo,  agora   conhecido, de  (66)  sessenta e seis milhões de mortos.

…Ele podia ter salvo muitos desses milhões…                                           

A proposta era a de acabar com a guerra a ocidente, que não tinha qualquer razão de ser, de modo a que a Alemanha pudesse continuar a invasão da União Soviética,  único objectivo que tinha sido, na verdade, previamente planeado, e que só se foi protelando porque a Polónia negou a passagem à Wermacht, em direcção à URSS,  o que acabou  por levar britânicos e franceses   a declarar a guerra  à Alemanha.         

Os alemães que, pelas cláusulas do Tratado de Versailles, tinham ficado, desde 1918,  sem terra,  até mesmo para semear o trigo, para o pão de cada dia,  nunca pretenderam ocupar as super-ocupadas terras a oeste.      O objectivo do  Nationalsozialism era alcançar a pouco povoada  Ukrania  (Para a produção de Trigo),  bem como o semi-desértico Cáucaso (P. obtenção de Petróleo).     As Divisas patrióticas dessas campanhas foram o “Espaço Vital” (Lebensraum) e o “Pangermanismo” (Deuschverbindung), visto que os ukranianos também eram germânicos.  (Grande parte das unidades militares alemãs S. S.   era exactamente recrutada e constituida por ukranianos.)

Em contra-partida comprometiam-se os alemães  a garantir à Inglaterra a manutenção do seu total domínio mundial.

…Na prática:  Hegemonia na Europa continental para a Alemanha. …Hegemonia sobre o resto do Mundo para a Inglaterra.    (…Uma espécie de  2ª Versão das Tordesilhas).

Parece entretanto ter constado que, durante os anos que precederam a guerra, se tinha estabelecido um forte, mas hermeticamente secreto, entendimento, que já apontava no sentido da proposta de Hess, entre um grupo britânico liderado por Edward, Principe de Gales ( Que depois foi Rei Edward  VIII, e por fim, Duque  de Windsor e Governador das Bahamas  até ao fim da Guerra ) e altos circulos alemães nazis,  conhecida que já era a simpatia do Príncipe pelo “National Sozialism ”alemão.

Sendo uma opinião corrente na época, que fora essa tendência do príncipe que tinha levado o Prime Minister Stanley Baldwin  a aconselhar-lhe a abdicação como rei, e não o facto de ele  querer consorciar-se com a, duas vezes divorciada, norte-americana Wallis Warfield Simpson.                                                  

Terão talvez funcionado as duas razões.             

J.S.C.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

CUIDADO! …NÃO AFOGUEM A MARINA.

                  Cascais,  02. 09. 2006                              J. Sá Carneiro ( * )

...Não sendo, de modo algum, um expert na matéria, mas porque sempre vivi voltado para as coisas do mar, e tive oportunidade para conhecer, do Reino Unido à Turquia e da Suécia à África do Sul, umas por mar, outras por terra, muitas e as mais variadas marinas, pediram-me alguns amigos uma opinião sobre a Marina de Cascais 2009, ( Remodelação da existente ), cujos projectos e maquetes estão patentes na Câmara Municipal.

...Lá fui, vi tudo com atenção, e eis o breve parecer a que consigo chegar:               ...Um completo e total Contra-Senso!                  Passo a expor alguns pontos de vista:                                                      

1 –  Sempre fui completamente contrário à ideia de serem os        barcos de cruzeiro usados e explorados, como “cenário gratuito”, para que a “especulação imobiliária” construa ao seu redor toneladas de betão, em lojas e apartamentos que, alcançando preços astronómicos, acabam afinal por resultar em incomodidade e mau-estar para os proprietários desses barcos. ...Ora quem suporta a pesada despesa, uns com certo à vontade, outros até com sacrifício, que manter um yacht representa, tem todo o direito de não ser incomodado. ...E o excessivo desenvolvimento da “entourage commercial” das marinas acaba sempre por as deteriorar, degenerando numa série de desagradáveis, e mesmo perigosos, inconvenientes (que chegam até às “beatas” atiradas sobre os barcos), impensáveis em explorações de bom nível.

...Porque há “Marinas” ...e ”marinas”!                                         

...Quem acaba de fazer uma fatigante travessia, em tempo de férias, ou quem procura, em qualquer altura do ano, recuperar-se no seu barco, atracado a um pontão, das agruras de um periodo de trabalho, ...claro que quer é calma e relax,   ...e não ruído e agitação pela noite fóra, como por exemplo acontece em Puerto Banus, onde, normalmente, só se consegue dormir depois do sol nascer.

2 – Penso de resto que esta nossa Vila de Cascais, embora simples e discreta, será já talvez a mais classificada estância de turismo de mar do País, detendo certamente gabarito cultural para merecer uma marina civilizada, ...e não um “luna–park” aquático.

Não queremos uma “marina folclórica” como Vila–Moura, nem“frenética” como Banus!

3 – Outro aspecto em que é necessário pensar é o do “acesso” à futura marina, ...com “tudo o que querem meter lá dentro”.

...Mesmo tal como está já não é muito fácil lá chegar. Ainda há dias estive uns bons cinco minutos parado atrás de um autocarro de turistas que embaraçava o trânsito. Repare-se que só dispomos de um Sentido, e ainda por cima  em Via-única, na passagem pela ponte.   ...É pouco! ...E não sei por onde poderão passar mais acessos.  ...Subterrâneos?  ...Aéreos?   ...Não creio.

4 – Mais: O arejamento da marina é feito pelas brisas norte e noroeste. Se erguerem, desses lados, construções mais altas do que as que já existem, ficará esse arejamento comprometido, e a marina, durante o verão, irá transformar-se num verdadeiro inferno, sobretudo para quem está nos barcos, que é afinal o legitimo usuário do local. Lembrem-se de Vila-Moura depois que foi construido o novo bloco do lado Noroeste. ...Quem conhecia a marina nunca mais aceitou um finger naquela zona!

5 – Por outro lado, há imóveis na área circundante que julgo deverem ser preservados a qualquer custo. Como, por exemplo, a “Casa de S.ta Marta”, mesmo ao lado do farol.                           Aceito que será difícil  “equilibrá-los” com o que venha a ser “necessário“ construir ... ou demolir. ...Mas aquela costa é linda com a edificação “romântica” lá existente.

De resto as novas construções e as remodelações que estão a ser feitas no local têm respeitado isso mesmo. ...E a casa de S.ta Marta ( Agora estão a chamar-lhe de S.ta Maria ), que julgo ter sido projectada pelo célebre ( embora controverso ) arquitecto Raul Lino, é com certeza um dos seus raros exemplos à-borda-d´água e, possivelmente, o mais “romântico” de todos.

...Senão repare-se que os turistas. (E normalmente os de melhor porte) estão constantemente a fotografar e a filmar precisamente aquela casa. Essa sim, é de recuperar! Para modernices chega-nos o Algarve!   ...Por favor deixem-nos ter também as nossas “S. Sebastian” ou “Nice”! ...Os mais velhos também têm direitos!

6 – Agora aquilo que parece ser a “jóia da coroa” desta Marina 2009:   A Torre de Cristal.

...É linda a Torre! ...Mas ali?!   (...Esta é com certeza brincadeira! Todos sabemos que este mar não é o Golfo Pérsico. E a Torre poderia não durar nem o tempo da sua construção.   Já vi um navio cargueiro atirado por uma vaga sobre as rochas, ao lado do Farol de S.ta Marta. ...E o Restaurante “Marégrafo”, no 1º andar do Clube Naval, destruído por outra.)

...Parece-me que nem vale a pena comentar a Torre! ...Mas então falemos de paisagem:

...A costa do Dubayy é árida e insípida, sem pontos conspícuos de beleza, e era necessária qualquer coisa para a animar:      Por isso a Torre-Hotel no mar e a maravilhosa Urbanização em terra, construída por trás dela.

...Ora esta nossa costa não precisa de ser enfeitada. ...Nada mais bonito do que a imponente falésia que, da Boca do Inferno ao Cabo da Roca, a conforma!

De resto, claro que o vidro é óptimo material de construção. Dura infinitamente ...se não o estilhaçarem. Mas o vidro é para a Escandinávia ou para o Canadá, ...que não têm Sol. Em Portugal, sobretudo sabendo-se agora que o clima vai aquecer nos próximos decénios, só servirá para o hotel gastar o dobro da energia ...em ar-condicionado.

Perdoe-se-me a observação, mas, se a Torre chegar a ir para a frente (ou para cima), o melhor é demolirem também o Farol de S.ta Marta e colocarem o seu projector no topo da dita  torre.

...Ficaria com muito mais alcance e seria a maneira do foco não incomodar, por baixo, os hóspedes do hotel nas suas suites de vidro.   …E nós teriamos assim uma  Alexandria-a-Nova, ...em vez de um Dubayy-o-Novo.                                                                   

7 – Outro reparo, que peço licença para fazer: Venho a interessar-me pela Marina de Cascais desde os anos 60, ao tempo do que julgo ter sido o 1º Projecto, do Eng. Vasco Pessoa.     ...Mais tarde, há uns 18 anos, foi o Clube Naval que tentou relançar a ideia... Acabou por nada se fazer!    ...Mas o mais estranho é que, de todas essas vezes, sempre ter ouvido falar da extrema dificuldade de “espaço”. Que teria que ser, à holandesa, conquistado ao mar!      ...E foi o que acabou  por  acontecer, ...crendo-se ter sido isso o que encareceu a marina.                                                                    

...Como é que se consegue agora “espaço” para aquilo tudo?

Compreendo que o negócio da marina tenha que ser rentável e que talvez, tal como está, ainda o seja pouco. ...Mas, se forem um tanto melhoradas as estruturas existentes, e a exploração conduzida com mais sentido de marketing, não ficará o problema resolvido?

8 – Indispensável a consulta, em votação directa, dos utentes da Marina : Dos próprios donos dos barcos. ...Ninguém mais interessado, nem com mais direitos.

Mas, se quiserem ainda outro parecer, competente e pragmático, porque não pedir, também por votação, a opinião dos sócios do Clube Naval, afinal ali mesmo ao lado?

Seria a melhor ajuda. ...Pois tal “parecer” resultaria com certeza absolutamente correcto.

Para terminar, ...o nosso apelo:   Deixem a Marina em Paz!   

 

( * ) José António de Sá Carneiro

Despachante-oficial da alfândega de Luanda de 1952 a 1975.

Despachante-oficial da alfândega de Lisboa desde 1980.

Diplomado em Marketing - Management pelo SAMA  de  JHB.

Licenciado em História pela Universidade Aberta de Lisboa

Patrão de Alto-Mar desde 1984 - Lisboa

CABINDA E OS PORTUGUESES

O  TRATADO  DE  SIMULAMBUCO                                                  

                                                                               J. Sá-Carneiro      (Mem.)

Parece terem sido os cabindas, mesmo antes dos quicongos e dos n’golas, o primeiro povo africano com quem estabelecemos contacto e relações a sul do golfo da Guiné. E tão boas foram essas relações que em breve, revelando-se bons marinheiros, eles se embarcavam nas nossas caravelas e naus, connosco viajando por toda a parte, ao serviço de Portugal.

...E     ( ...Como é tão fácil saltar aqui uns séculos!...)    quando chegámos  a  Angola,  em 1942,  ainda  eram  os  cabindas  os marinheiros, e até  nalguns casos os mestres, dos caíques,  uns já motorizados,  mas outros ainda à vela, que faziam a cabotagem, de Lândana à Baia dos Tigres.

E muito mais haveria a dizer dos cabindas  mas, de momento, o que nos interessa é frisar que, talvez por terem sido os primeiros a relacionar-se com a cultura europeia (Connosco), tinham acabado por obter um visível ascendente sobre as demais etnias circundantes, conseguindo, muitas vezes, ocupar boas posições nos nossos comércio e funcionalismo africanos.

Porem, voltando para trás no tempo, podemos dizer que, até ao fim do sec. XIX, prezando cautelosamente a sua independência, nunca os cabindas se deixaram absorver pelo visinho território português, então chamado Provincia de Angola, com quem, de resto, sempre tiveram o melhor relacionamento.

A dada altura, e nunca se saberá quem lhes terá levado a noticia, constou aos cabindas que iria fazer-se uma importante Conferência na Europa (em Berlim), onde seriam redistribuidas as terras da bacia do Zaire.

Face ao pânico de perderem a sua independência, a favor duma qualquer potência europeia, de que possivelmente nem tinham ouvido falar, apelam eles para Angola, no sentido de ser transmitida ao Rei de Portugal uma petição para que seja firmado um Tratado pelo qual Cabinda passasse desde logo a ficar sob a protecção da bandeira portuguesa.

Pouco tempo depois aporta a Cabinda a corveta “Rainha de Portugal”, sob o comando do Capitão-Tenente Guilherme Augusto de Brito Capello, Comendador de Aviz e Senhor de várias outras Dignidades, que vem com plenos poderes de Sua Magestade Fidelissima El-Rei de Portugal para firmar um Tratado pelo qual passava Cabinda a ser Protectorado Português.

Recebido aos 22 de Janeiro de 1885, em Simulambuco, pelo Rei Ibiala Mamboma, pela princesa Maria Simbo Mambuco, pelo depois Barão de Cabinda, Manuel José Puna e várias outras entidades, logo o tratado começou a ser elaborado, vindo a firmar-se no dia 1 de Fevereiro de 1885, para pouco depois ser presente à Conferencia de Berlim que, por proposta portuguesa, teve lugar no mesmo ano.-

                       J. Sá-Carneiro                    Março 2000

                                           ________________

 

TRATADO  DE  SIMULAMBUCO

Artigo 1º- Os Príncipes e mais Chefes e seus sucessores declaram, voluntariamente, reconhecer a soberania de Portugal, colocando sob o protectorado desta Nação todos os territórios por eles governados.

Artigo 2º- Portugal reconhece e confirmará todos os Chefes que forem reconhecidos pelos povos segundo as suas Leis e Usos, prometendo-lhes auxilio e protecção.

Artigo 3º - Portugal obriga-se a fazer manter a integridade dos territorios colocados sob o seu protectorado.

Artigo 4º - Aos Chefes do País e seus habitantes será confirmado o senhorio directo das terras que lhes pertencem, podendo-as vender ou alugar de qualquer fórma para estabelecimento de feitorias de negócio ou outras industrias particulares mediante pagamento dos costumes, marcando-se de uma maneira clara e precisa a área dos terrenos concedidos, para evitar com-plicações futuras, devendo ser ratificados os contratos pelos comandantes dos navios de guerra portugueses, ou pelas autoridades em que o Governo de Sua Majestade delegar os seus poderes.

Artigo 5º - A maior liberdade será concedida aos negociantes de todas as nações que se estabelecerem nestes territórios, ficando o Governo Português obrigado a proteger esses estabelecimentos, reservando-se o direito de proceder como julgar mais conveniente, quando se provar que se tenta destruir o Domínio de Portugal nestas regiões.

Artigo 6º- Os Príncipes e mais Chefes indígenas obrigam-se a não fazer tratados nem ceder terrenos aos representantes de nações estrangeiras, quando esta cedência seja com carácter oficial e não com o fim mencionado no Artigo 4º.

Artigo 7º- Igualmente se obrigam a proteger o comércio, quer dos portugueses, quer dos estrangeiros e indígenas, não permitindo interrupção nas comunicações com o interior e a fazer uso das suas autoridades para desembaraçar os caminhos, facilitando e protegendo as relações entre vendedores e compradores, e as missões religiosas e cientificas que se estabe-leçam temporaria ou permanentemente nos seus territórios; assim como o desenvolvimento da agricultura.

- Parágrafo Único: Mais se obrigam a não permitir o tráfico de escravatura nos limites dos seus domínios.

Artigo 8º - Toda e qualquer questão entre europeus e indígenas será resolvida sempre com a assistência do Comandante do Navio de Guerra Português que nessa ocasião estiver em possível comunicação com a terra, ou de quem estiver munido de poderes devidamente legalizados.

Artigo 9º - Portugal respeitará e fará respeitar os usos e costumes do País.

Artigo 10º - Os Príncipes e Governadores cedem a Portugal a propriedade inteira e completa de porções de terreno, mediante o pagamento dos seus respectivos valores, a fim de neles o Governo Português mandar edificar os seus estabelecimentos militares, administrativos ou particulares.

Artigo 11º - O presente Tratado assinado pelos Principes e Chefes do País, bem como pelo Capitão-Tenente Comandante da Corveta “Rainha de Portugal”, começa a ter execução desde o dia da sua assinatura, não podendo, contudo, considerar-se definitivo senão depois de ter sido aprovado pelo Governo de Sua Magestade.

Simulambuco, em Cabinda, 1 de Fevereiro de 1885

Guilherme Augusto de Brito Capello

( Segue-se a assinatura e as de todos os Principes e Nobres de

Cabinda ).

Este Tratado foi explicado e lido em lingua do País, ficando todos inteirados do seu conteudo antes de o assinarem na minha presença, e comigo Antonio Nunes de Serra e Moura, Aspirante do Corpo de Oficiais da Fazenda da Armada, servindo de secretário Nunes de Serra e Moura.

Afirmamos e juramos, sendo preciso, que as assinaturas e sinais de  cruz ( + ) são dos individuos, por os conhecermos pessoalmen-te e os termos visto assinar este Auto.   João Puna, João Barros Franque, Vicente Puna, Guilherme Franque.- (a)                   Estavam presentes a este acto as seguintes pessoas: (aa) Onofre Alves de Santiago, M. J. Corrêa, e Alexandre Manuel da Silva. Oficiais da Corveta “Rainha de Portugal”: (a) Cristiano Frederico Knusse Gomes, 1º Tenente; Eduardo Ciriaco Pacheco, 1º Tenente; Antonio da Fonseca Sarmento, 2º Tenente;João de Matos e Silva, Facultativo Naval de 1ª classe;  Alberto Antonio de S. Marino,  G. Marinha. -                                               F.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

OS ANOS LOUCOS DE LUANDA I

O  SUICIDA

J. Sá-Carneiro                          Cascais,  24. 07. 2007 .            (Mem.)

Dizem que os "Anos Loucos de Luanda" começaram em Fevereiro de 1961, com o assalto à Brigada Móvel da estrada de Catete.   E que terão acabado no fim de 75, com a independência de Angola.

...Mas para mim não. Os "anos loucos" começaram bastante mais cedo, ainda a meio da década de 50, com a descoberta do petróleo e inicio de sua exploração, que encheu Luanda de técnicos estrangeiros, sobretudo belgas e franceses, acompanhados de lindíssimas mulheres, umas esposas outras não, vestidas (...ou despidas) de maneiras que nunca tínhamos visto ...e que nos provocavam, evidentemente, toda uma série de "momentos anormais de meditação".

...E claro que, com o petróleo, começaram a chover os ataques politicos internacionais, de várias espécies e proveniências, que nos levavam a imaginar o que seria o "negrume" do próximo futuro naquela terra tão querida.

Outra contribuição para o nosso desvario foi, mais ou menos na mesma altura, a independência do Congo Belga: Novas ameaças politicas e económicas para os tempos que vinham, ...e nova revoada de beldades, refugiadas, que chegavam antecipando os maridos, ...e que se tornaram noutro atentado aos nossos austeros costumes!

...Mas, do muito que se passou, só vos vou contar agora uma única história.

...As outras ficam para depois, à medida que as for recordando.

...Creio que conheci o Gaston Bossuet no bar da Versailles. Dirigiu-se a mim para perguntar onde eram os escritórios do "petróleo",  pois tinha sido colega, no liceu belga, do engenheiro Brognon, e queria tentar pedir-lhe um emprego na Petrofina, que estava em plena expansão.  ...Eu, por acaso, conhecia o engenheiro, e prontifiquei-me a ajudar a procurá-lo.

O Gaston, era duma simpatia alegre e comunicativa, belga valon, grande e forte, fazia lembrar o John Wayne, ...mas com um ar mais prazenteiro. ...Até dava gosto ajudá-lo. E teve tanta sorte que uns dias depois lhe foi entregue a carpintaria da Companhia, pois que a sua especialidade como empreiteiro no Zaire tinha sido exactamente madeiras...

Não mais nos perdemos de vista, e a nossa amizade durou por aqueles anos todos.

Tinha uma esposa, a Loulou, filha de portugueses do Kikuit, com menos vinte anos do que ele, que falava ambas as linguas com sotaque arrevessado e quase irritante, mas na verdade também muito simpática e alegre, e que para mim foi sempre uma boa amiga.

Tinham um filho, de dez ou onze anos que, não sei porquê, usava um "petit nom" espanhol, o Joselito.

Essa "familia refugiada" rapidamente se tornou extremamente popular, e o nosso grupo de malucos ( Que no fundo sabia estar a viver os ultimos dias de Pompeia ) acabou por fazer do apartamento dos Bossuet a base estratégica de ataque, e ponto de partida, para toda a ininterrupta série de disparates, que parecia nunca ter fim, e que foi preenchendo todos aqueles anos.

...Era ali que tudo se projectava! ...Histórias aparatosas que mais tarde contarei.

Efeméride atrás de efeméride, muita água foi descendo o Rio  Bengo,  ...até que um dia a Loulou  fugiu com o Bertrand.  ...E foi um horror! ...O nosso "gang" completamente desorganizado, com o Gaston a dizer que se suicidava... Que assim não podia viver!

O Bertrand era um técnico da Schlumberger, ...que até nem tinha muita graça, mas vá-se lá entender as mulheres! ...Acabámos por descobrir que tinha sido transferido para Madagáscar, ...e eu escrevi à Loulou ...a pedir que voltasse.

...Ela porém não voltou. ...Respondeu-me com prontidão, mas a dizer que estava ainda muito apaixonada pelo Bertrand, e que o Gaston era muito velho para ela. ( ...Já o era antes, claro! )

Nessa altura veio-me à memória uma história que ela me tinha contado, sobre o dia do seu próprio casamento, lá no Congo: Parece que o Gaston tinha tido uma tremenda despedida de solteiro e acabou por entrar na igreja com uma fortissima ressaca. ...E depois, é cláro, continuou a beber a festa toda e, quando ela o empurrou para a cama, imediatamente... desatou a ressonar. ...E ela dizia-me que "francamente não podia admitir que a minha noite de núpcias fosse passada a ouvir o meu noivo ressonar. ...E então fiz tudo o que era possivel para acordá-lo. Despejei-lhe água na cabeça, cheguei-lhe amoniaco ao nariz, sacudi-o e arranhei-o. ...Mas nada!

...Até que tive uma ideia, e berrei-lhe ao ouvido: Foge Gaston que vem aí o meu marido! ...Então abriu os olhos espantado, atirou-se para o chão, arrastou-se até à janela ( Felizmente era um rés do chão) e mergulhou no canteiro das roseiras. ...Foi a única maneira de ter marido!"

Duas semanas depois, ao chegar a casa dele, vi que a porta estava aberta. Entrei, e qundo cheguei à sala, dei com este trágico espactáculo:  Facturas e garrafas espalhadas por todo o lado, cadeiras partidas, ...e o Gaston estatelado no sofá, com os olhos fóra das órbitas ...e um grande revolver encostado à cabeça!

Devo ter ficado mais de um minuto parado a olhar para aquilo, ...e depois comecei a chegar-me, mas muito devagarinho.

...Nem sequer estava grosso, ...apenas louco!

Lá acalmou, e começou a explicar-me a situação. ...Não podia viver sem ela, ...e, era claro, tambem não conseguia trabalhar. As dividas tinham-se acumulado, a Petrofina dera-lhe ordem de despejo das oficinas, e já não tinha dinheiro para comerem , ...ele e o filho. ...A total desgraça.

Então comecei a dizer-lhe que a solução era voltar para o Zaire, onde tinha vivido desde muito novo, quando fugiu da Europa em guerra. ...Lá sempre conhecia patricios, e até a familia portuguesa da Loulou  tinha dito que estava disposta a ajudá-los.

Disse-me que não era capaz de chegar a Leopoldville ( Agora Kinshassa ) ...Uns bons oitocentos kilómetros. ...Só se eu o levasse!

Mas eu não podia. Tinha serviço urgente nas alfândegas. Era impossivel partir antes de uma semana.  Disse-me que os credores voltavam na manhã seguinte e que não tinha cara para aparecer ao Brognon. ...Que precisava de se escapar imediatamente.

...E também já não tinha automóvel!

Tive que usar de toda a minha persuasão:  "Gaston, não posso ir agora ao Zaire" ( De resto até que a fronteira estava fechada para os portugueses, pois foi na altura em que tinham pegado fogo à embaixada de Portugal, julgo que isto se passou em 1972, no tempo do embaixador Pinto da França, e não tinhamos relações diplomáticas. Durou pouco tempo esta situação, ...mas por azar foi nessa altura.) ...E disse-lhe: "Tudo o que posso fazer é levar-te para a nossa fazenda nos Dembos. Aí não te falta nada. Ficas uma semana à caça com o teu filho, e na quarta-feira vou ter contigo e acompanho-te a Kinshassa.

...Quanto a automóvel, tens aí à porta o carro do R.T. ( Um 'amigo' que tambem andava atrás da Loulou e que parece que tinha ido à Europa. ) Vais nele, pois tens muita bagagem e precisamos de dois carros, e depois o teu 'amigo' que o vá lá buscar".

Aceitou, e nessa mesma noite pu-lo no "Kissocolo", a 160 kilómetros, nos Dembos.

Mas, na madrugada seguinte, antes de voltar para Luanda, levei-o à roça Kinuma-Numa, de um bom amigo alemão chamado Karl Eberl, a quem pedi para dar apoio ao Gaston.

Deixei-lhe uma 375-Magnum para ir à caça e disse-lhe, a brincar, "se te quiseres matar é com esta, porque com o teu revolver ainda ficas a bater com a cabeça pelas paredes"

Na 4ª feira da semana seguinte fui ter com eles às bombas de gasolina do Pompílio das Neves, às portas de Quibaxi. Encontrei-o já felizmente muito calmo, a jogar xadrez com o filho, em cima do capot do automóvel. ...Desfez-se num sorriso ...e seguimos para o Zaire.

Lá fomos, pelo Uige, 31 de Janeiro, creio que por S. Salvador, ...até Maquela do Zombo. Sempre pelo asfalto, pois Angola já tinha todas as capitais de distrito ligadas por asfalto. Em Maquela fui à PIDE dar as saidas nos passaportes. Mas aí eles disseram-me que o Gaston e o filho, como belgas, podiam passar à vontade, mas que eu, "nem pensar". Por eles, tudo bem ( só me aconselhavam a deixar a pistola no posto da fronteira ). ...Mas que a policia congolesa não me deixava entrar, com certeza..

E assim foi.  Atravessámos a fronteira em Quimbata ( Do lado de lá é Kipango ). Eu conhecia tudo, porque quando casei, em vésperas da independência do Congo Belga, tinha ido passar a lua-de-mel a Leopoldville, que para nós naquele tempo era ...Paris.

...Mas, em Kipango, um português, ...nem pensar em passar!  ...Não havia relações.

...O Gaston começou a dizer que também não ia.  ...Que sozinho não era capaz..

"Gaston, vai andando, que vou tentar sair por Banza Sosso e apanho-te no Inkise".

...Mas não tinha certeza nenhuma. Não conhecia essa outra fronteira. Unicamente sabia que era um posto que, de noite, retirava a guarda. ...E era nisso que estava a apostar.

...Mas quando lá cheguei, umas horas depois, tinham tirado a ponte de ferro do riacho, e estavam a pintá-la no cais. Vi, do nosso lado, a guarda congolesa fechar o posto e ir dormir para a sanzala. ...Porém lá estava o rio. Talvez com dez ou doze metros de largo, e menos de um metro de fundo, ...o suficiente para o Volkswagen não passar.

...Mas, sentado ali, do nosso lado, a olhar para mim com um sorriso, estava um velho capita, que tinha certamente a escola toda. Quando me dirigi a ele, disse-me logo: "Já estava à tua espera! Passas ali em baixo, que tem pedras. Leva estes rapazes para empurrar e dá mata-bicho. ...Boa viagem".

O Volkswagen passava os riachos de marcha-à-ré porque as rodas tractoras eram as de trás, e agarravam logo. ...Só era preciso o motor ir de prego a fundo, para não entrar água pelo escape.

Perguntei aos rapazes onde passava a estrada de asfalto Matadi-Kinshassa, e disseram-me que estava já ali à frente, ...mas afinal eram mais de cem quilómetros, quase tudo areia. A dada altura comecei a atravessar uma região esquisita, de descampado, e onde se misturavam cubatas com tendas de lona verde, e muita gente mais ou menos fardada.

Mas não vi armas. ( Na manhã seguinte fiquei a saber que tinha atravessado os campos de refugiados da UPA - FNLA ) ...Foi meia hora depois que me enterrei.

Comecei a forçar atrás e à frente, ...nada. Cada vez ficava pior, e já estava a anoitecer. Então passei à velha técnica do mato, de levantar uma roda de cada vez, com o macaco, e de meter calços por baixo. Mas não havia pedras. Tinha que ser com gravetos. Havia uma sanzala na lonjura e uns garotos vieram ajudar. Traziam uma pá, ...e ajudaram: Mas, quando uma roda começou a escapar eles tentaram calçá-la com a pá. Foi um estampido enorme e fiquei sem pneu. ...Quando olhei em volta já não vi garoto nenhum. Nem pá, ...nem nada. Tinham-se assustado e debandaram.

Bom, que remedio? ...Comecei a meter a roda de socorro. E, quando estava tudo pronto, apareceu um enorme camion atrás de mim.

Então começou uma conversa maluca. Eu falava francês com o chauffeur. ...E ele falava português com a duzia de camaradas que trazia em cima da carga, que de resto estavam a ver a matricula de Angola no meu carro. ...Acabaram por pegar no VW em peso e foram pousá-lo vinte metros à frente, no piso já duro. ...Perguntei ao chauffeur se era de dar um pourboire, mas ele disse que era complicado. ...Melhor eu parar numa tasca uns kilómetros à frente e pagar uns copos. Encontrei a tasca e esperei meia hora, ...mas devem eles ter-se enterrado. ...Bebi eu, ...e fui andando. Às duas da manhã estava em Kinshassa, em frente do Hotel Memeling. A casa dos Moniz, primos da Lou-lou, era na esquina oposta. ...Só que ninguém podia entrar. ...O guarda, que dormia na rua, à porta da casa, não tinha chave, claro. ...E o Gaston e o Joselito estavam a atirar pedrinhas às janelas do 1º andar. ...Mas não conseguiam acordar ninguém.

Havia um bar aberto nas imediações, e fomo-nos lá instalar. Estava animadíssimo, e logo nos arranjaram cerveja, e bem gelada, por acaso. ...E às tantas estoirou uma briga.

Um rapaz preto, muito alto e bem vestido, com um folar de seda amarela ao pescoço, veio para nós a queixar-se dum grego que estava ao balcão e que o tinha aldrabado num negócio. Apresentámo-nos. Como eu me chamava José e o Gaston, Gaston ...e ele se chamava José Gaston, achou graça e esqueceu-se do grego. Sentou-se à nossa mesa e ofereceu os seus préstimo em Kinshassa. Era sobrinho de um ministro e, durante o mês que lá estive, convidou-nos para imensas farras.

Conseguimos manter o bar aberto até nascer o dia, e então lá entrámos em casa dos Moniz. Era uma familia simpatiquíssima. Tudo homens. As senhoras tinham sido há muito evacuadas para Portugal. ...Ou para a Bélgica, já não sei. Tinham ficado o Pai, filho e sobrinhos. O filho era o Tony, natural de Leopoldville, falando as quatro linguas ( Francês, português, bakongo e lingala ) ...e com a "teoria toda do veterano" do Congo. Passei com ele, nas semanas que se seguiram, por uma série de cenas das mais pitorescas e bem divertidas. E com ele fui, logo no dia seguinte, arranjar emprego ao Gaston e matricular o Joselito no Colégio Belga. ...Fomos também para as alfândegas despachar tecidos, pois era esse o negócio ( E bom negócio! ) da familia. Todo o rés do chão do prédio era um grande armazem de tecidos.

Pelo fim da tarde fomos buscar o Zé Sotomayor, que eu já conhecia de Luanda, pois era irmão de um grande amigo meu, e com ele fomos visitar o Zé Real, que tinha um stand de automóveis de luxo. ...E aí começou o disparate:

Quando o Zé Real pediu bebidas para o stand, ela apareceu, de mini-jupe e bandeja de prata, com o balde do champagne e as taças, e o sorriso mais generoso que se possa conceber.

...Era giríssima! ...Com aquele tom de pele e o cabelo castanho acobreado, que sempre me punham em órbita. ...Francesa, ...vim a saber pouco depois que tinha 24 anos e escapara ao marido, uma semana antes, no ultimo ferry que atravessou o rio Zaire, antes do corte de relações com o Congo-Braza.

...E o marido agora, a pouco mais de mil metros, ameaçava, pelo telefone, que a vinha buscar. ...Mas claro que tinha que o fazer por Paris e Bruxelas, pois não havia outra maneira de passar o rio.

Fomos todos jantar. Nós e mais três ou quatro amigas belgas, que conseguiram finalmente pôr o Gaston às gargalhadas. ( Os restaurants de Kinshassa, a pesar de tudo vir de Bruxélas, funcionaram sempre muitíssimo bem ) ...Comeu-se e bebeu-se maravilhosamente. ...E depois fomos dançar para a boite do "Okapi".

O Hotel Okapi, que julgo ter sido construido já depois da independência do Zaire, era agradabilíssimo. Moderno e espaçoso, tinha bons salões, óptimos bares, e uma estupenda piscina.

...Só duma coisa não gostei: Os candeeiros das mesas da boite eram patinhas embalsamadas de okapi,.a suportar os abat-jour's. ...Mau gosto!

Chamava-se Nicole e, quando fui dançar com ela, não me castigou. À terceira dança disse-lhe que tencionava dormir no automóvel, para partir na madrugada seguinte. Objectou logo que nunca! ...Que eu podia dormir no apartment dela. ...E assim foi ...e por todo aquele mês. ...Graças a Deus! ...A cama estva metida numa espécie de alcova na parede. Confortável. ...Lembro-me que na manhã seguinte, já tarde, quando ouviu o criado, que tinha a chave da porta, a remexer na cosinha, saltou da cama, deu as suas ordens, e voltou, a dizer: "Ce type-là, que toute la semaine m'a appelé de Mademoiselle, est aujourd' hui à m' appeler Madame! ...Pourquoi?" ...Nunca me esquecerei!

Ao terceiro dia estava completamente apaixonado ...Se não estivesse casado com a mulher mais querida ...e mais gira do mundo, ...tinha-a trazido para Angola! ...Foi talvez a mulher que, mais me impressionou na vida, ...depois da minha!

Quando, à tarde, quis voltar a casa dos Moniz, um sinaleiro mandou-me parar e deu-me voz de prisão: "O teu carro tem matricula estrangeira e a tua carta não é internacional."

Ele ainda não tinha visto a minha carta. Lá a mostrei: "International! Couleur de rose, Permis de conduire". ...Mas não: "A internacional era maior! Estás multado em 100 Zaires!" ...Já não me recordo do câmbio, mas era muito. De maneira que lhes disse ( Nessa altura já eram dois) Aqui não tenho, ...mas vamos ali a casa buscar. "Onde é?" É ali mesmo no fundo, respondi. É a casa de M. Moniz. Deviam conhecer o nome porque disseram logo: " Ali não podemos ir. É outro bairro. Quanto tens aí?" Dez Zaires, respondi. " Ça vat." ...Entraram para o VW, para receber, ainda me cravaram meio maço de cigarros, e depois, enquanto fumávamos, estivemos os três à conversa..

Uns dias depois, quando cheguei a casa dos Moniz, um deles estava à porta do magazin. Mas não era à minha espera. Era à espera do Tony Moniz, que ele dizia que tinha passado no "Feu rouge" e estava multado. Eu subi e perguntei ao pai Moniz se podia ajudar em alguma coisa. Respondeu-me que não valia a pena. O Tony arrumava já o assunto. E arrumou!

Quando, da varanda , vi chegar o Tony, tornei a descer para assistir à conversa. Logo que o sinaleiro começou a falar na multa, o Tony de repente lembrou-se dele e disse-lhe "Tu és aquele policia a quem dei cem Zaires para prorrogar a minha carta. Onde é que está a carta?" Ficou um bocado desconcertado porque, como a coisa já ia em mais de um ano, não esperava que o Tony se lembrasse da cara dele. ...Mas não se desmanchou: "A culpa não foi minha. A culpa foi daquele chefe que roubou a esquadra e, antes de fugir, pegou fogo ao arquivo. ...E a tua carta ardeu!" Aí o Tony abriu a porta do magazin e estava a mandá-lo entrar, quando apareceu o outro, que tinha ficado a espreitar da esquina. Entraram os dois, e ficaram de olhos esbugalhados a admirar as peças de tecidos. Podem crer que era na verdade comovente. "Gostas? Perguntou o Tony. Estás aqui amanhã com uma carta nova e tens uma peça para um fato civil para ti e um corte de seda para a tua miuda". ...E disse para o outro: "E tu vais receber outro corte de seda, para trazeres cá o teu colega". ...E assim foi.

Uns dias depois mostrou-me o novo "Permis de conduire".

...Não há dúvida de que a África pode sempre funcionar em "boa vontade e simpatia"!

...E acho que o resto do mundo também! .

Passámos o sábado seguinte a fazer ski aquático no Zaire. Era uma maravilha! Havia muito crocodilo, mas eles diziam que no meio do rio o crocodilo tinha mais medo do que nós, porque uma milha abaixo, são os caldeirões, com quedas abismais e, se o crocodilo se deixa levar, acaba esmagado lá embaixo.

No meio do rio há umas ilhas de areia branquinha que fariam inveja a qualquer praia de luxo. Era daí que se arrancava de ski. E eu fiz sucesso a largar em mono, de trotinette, que eles lá não usavam. Unicamente era necessário contar sempre com dois ou três barcos, com bons motores porque se alguém caia, e não era imediatamente socorrido, logo a corrente o apanhava e ia ter nos caldeirões a sorte do crocodilo. Contavam-se histórias de vários desastres. ...E eu por acaso até tinha conhecido uma das vitimas: O antigo consul da Alemanha em Luanda.

Foi tão bom que no dia seguinte quisémos repetir. Porém, quando chegámos ao Clube Naval, não pudémos entrar. Estava tudo cercado por um cordão de gendarmerie, e só se viam pistolas-metralhadoras. ....Ouviam-se vozes de comando, ...e até blindados havia cá fora. O Tony começou a fazer perguntas, e logo se soube o enredo todo: A Prisão Central de Kinshassa ficava à beira do Rio e ali, a escassos metros, do Clube. Havia presos de todas as condições, mas entre outros, um grupo muito importante, de que faziam parte vários "zairois" riquíssimos, uns libaneses, um grego e até um português.

O zairoi mais importante até tinha mandado instalar ar-condicionado nas celas (tinha a dele e mais duas que alugara.). Também, quando lhe apetecia, requisitava escolta para se passear de Mercedes Pulman pela ruas da cidade, e depois trazia para a Prisão dúzias de convidadas.

Como nunca mais se processava o julgamento, ele tinha dado às autoridades um prazo para se despacharem. ...E o prazo terminara na véspera e não foi concedido nem um minuto mais. ...Todo o grupo tinha desaparecido! ...E a Policia estava convencida que a fuga se dera pelo rio, em barcos do Clube Naval.

Como não havia ski, o Tony resolveu ir mostrar-me o Parque da OUA, onde o Presidente Mobúto tinha as suas instalações especiais de trabalho, tudo em vidro, debruçadas sobre os caldeirões do Zaire ...Tudo aquilo deslumbrante! O Parque, repleto de árvores e plantas raras, era todo feito de desníveis, fontes e pavilhões, tendo em todo o seu redor um gradeamento, que diziam de sete quilómetros, com grades de lança, douradas, iguais às de Versailles, e importadas de França em Boeings.

No meio daquilo tudo uma jaula de cúpula doirada com o símbolo do Congo:  O Leopard do Presidemte. ( Como se sabe a instituição mais pretigiada do Zaire era a "Ordem do Leopard", fundada pelo próprio Mobúto, que sempre usou o competente barrete de pele.)

Estávamos a fazer a visita acompanhados por um policia especial do presidente, um lingala enorme, com talabarte de coiro branco e um grande Colt num coldre à cow-boy, pois os primeiros tinham sido treinados nos U.S.A. ....A visita levada muito à séria.

O leopard estava a dormir ao sol e o Tony, por mais que o chamasse, não conseguia acordá-lo.   ...E então resolveu meter a mão na jaula e dar-lhe uma palmada!   Boa ideia!

O leopard deu um urro e um tremendo salto até ao teto, ...e, não sei como, o Tony apareceu de repente ao colo do lingala, que estava a olhar para ele com um ar muito espantado. Apanhei um susto, pois o bicho era o Símbolo do Congo, e tudo podia dar em asneira. O policia pôs o Tony no chão e começou a ralhar em lingala. ...O Tony enfiou-lhe um dedo na barriga e respondeu-lhe na mesma lingua. ...Não sei quais foram as graças, mas o policia começou a rir, e tudo ficou em bem.    Acabámo os três a beber umas cervejas escondidos atrás das plantas exóticas.

...O Parque da OUA era na verdade uma maravilha!

Os almoços, em casa dos Moniz, arrastavam-se, para os que não tinham horário de trabalho, até às 3 e 4 da tarde. ...Mas depois, até às 6, eu não tinha nada que fazer e, em geral estava calor demais para passear a pé. ...Também não havia grande coisa para ler, alem dos jornais. Então instalava-me numa das varandas, a do lado da sombra, em frente do "Memling", e ficava a desfrutar o panorama, ...e era giro. A diversidade de raças e trajes, os penteados, de mulheres e garotas, com missangas entrançadas, ...e as estranhas atitudes de quase toda a gente.                                                                                                                           ...Mas o grande actor daquela "cena" era sempre o Gunza!                O Gunza era um Senhor Preto, enorme, suponho que sócio do Hotel ou, pelo menos clinte de honra. ...Chegava numa limousine Mercedes preta, mas que ele próprio guiava. Não arrumava no estacionamento. Antes deixava o carrão, às três pancadas, no meio da rua, e com a porta aberta. Vinham logo a correr uns garotos, com trapos e um balde de espuma e começavam a dar brilho ao carro. ...O Gunza ia abancar no bar ...e era sempre um show! E eu algumas vezes não resistia à curiosidade e ia lá baixo ver o que se passava, pois as gargalhadas eram cada vez mais altas. ...Ele tinha sempre que embirrar com alguém, e lembro-me duma vez em que quem estava na berlinda era um jornalista, creio até que conhecido. Era calvo e tinha uns óculos muito grossos e um ar intelectual, em preto. ...E o Gunza arengava: "Tu, lá no teu jornal, escreveste que quando veio cá a embaixada do futebol da França, eu os recebi no meu hotel com o ar condicionado avariado! Então quando eles jogam foot-ball, lá no meio do campo, têm ar condicionado? ...Jogador tem que treinar!"

Recordo-me que tinha uma sirene no Mercedes com um toque que até fazia tremer. ...E quando deixava o bar do Memling, ligava a sirene até virar a esquina, e meia centena de miudos corria atrás do carro. Espectáculos do quotidiano citadino congolês!

Outro espectáculo com interesse foi o do ladrão: Comigo a olhar da varanda, extraiu-me os quatro tampões do VW, que estava parado em frente da casa. Eu ia dar um berro, mas um velhote que estava ali perto fez-me sinal para estar calado. O ladrão, rapaz dos seus vinte anos, andou uma duzia de metros, não mais, desenrolou uma esteira e pôs-se a polir os tampões. Depois dispo-los sobre a esteira e sentou-se ao lado a vender. ...Aí eu fui lá abaixo. ...Mas o camarada que me tinha feito sinal atravessou a rua e aconselhou-me: " Como ele sabe que são teus, vai vender-tos baratos. Mas não lhe digas que tos roubou. Diz só que precisas dos tampões. ...E pronto!  Era assim em Kinshassa.. ...Nunca mais usei tampões em África. Até tenho um amigo que chama a isso a "transformação técnica S. T." (... Sem Tampões.)

Às seis e meia da tarde ia quase sempre encontrar-me com a Nicole num barsinho chamado "La Barrique", de um casal francês muito simpático, e por lá ficávamos a namorar até anoitecer. ...Nunca uma mulher tão nova me tinha despertado tanta curiosidade! ...Hora após hora, não parava de lhe fazer perguntas, e tudo nela me maravilhava. ...Era totalmente singela ...e verdadeira. ...E também ela , a mim, me analisava até ao fundo do meu sentir ...e da minha memória, ...cada vez mais deliciada com as historietas bizarras que lhe contava, e que, na verdade, foram sempre a minha parva vida no trópico. ...Parecia ter o dom de me fazer esquecer os vinte anos que tinha a mais do que ela. Era imenso o que tiravamos um do outro. ...E depois, pelo correr das noites também.

...Mas toda a felicidade tem um fim! ...E eu não podia ficar mais tempo em Kinshassa.

Assim acabou por vir o dia da partida. O Tony e o resto do grupo organizaram uma festa de despedida, donde só saí depois da meia-noite. Tinha resolvido viajar de noite, pela fresca, até ao Inkise, para depois, durante umas horas, descansar no carro, à sombra das árvores, pois aquilo era tudo floresta.

Mas, quando passei por baixo da colina da "Diviniere", lembrei-me que não me tinha despedido do meu amigo Geraldo, um jovem italiano que geria o restaurante do "Okapi".

Fui encontrar o hotel animadíssimo, com uma missão qualquer, holandesa, de que faziam parte muitos casais.  ...E ainda andei a dançar até às duas da manhã.

Dormi de facto umas horas ao nascer do dia, à entrada do Inkise, e acordei cercado de raparigas congolesas, que deviam estar a espreitar, para dentro do carro, se eu estava morto, ou vivo.

...Bonjour Demoiselles, ...e ensinaram-me outro caminho, para não tornar a atravessar os campos de refugiados.

O regresso a Luanda quase não teve história. Antes de chegar à fronteira passei quatro ou cinco riachos "a vau", mas havia sempre alguém para ajudar. A dada altura perdi-me no mato, e fui tirado de embaraços por um senhor congolês, de pijama de seda encarnado, que me disse ser o "douanier" dum posto qualquer da fronteira, quase sempre deserto, por onde ele costumava atravessar, para ir passar as férias clandestinas à Ilha de Luanda, na casa de um douanier angolano, que eu por acaso conhecia.

...E foi por aí que eu atravessei.

Parei em Maquela só para apanhar a pistola, no fim da noite dormi mais umas horas no carro e, no dia seguinte, à hora do jantar, cheguei a Dalatando, que chegara noutros tempos a ser alcunhada de Dala-Matando e, mais tarde foi Vila Salazar, e que naquela altura já era a bonita e risonha cidade de Salazar.       Jantei no hotel e , em seguida, telefonei ao meu amigo Simão Arouca, (O inventor da tal transformação S.T,) para saber novas de Luanda, e para lhe dizer que já estava perto.

Aconselhou-me a dormir no Hotel, mas eu estava ansioso por chegar a casa, de modo que pus gasolina e arranquei.

Só parei no Zenza do Itombe, porque na verdade tive que aceitar que já não podia guiar nem mais um metro.

No Zenza não havia onde dormir. ...Só a tasca.  Como conhecia o dono, pois ficava no caminho que às vezes usava para os Dembos, pedi-lhe para dormir num banco de pau que lá havia, e já me estava a estender, quando chagaram uns rapazes, empoleirados em cima de um camion, que vinham de licença, de Nova-Lisboa, onde estavam a receber instrução militar na Escola de Oficiais Milicianos. Pediram-me boleia, ...e a minha condição foi que tinham que me contar anedotas todo o caminho, para eu não adormecer.

...Afinal, quando cheguei a casa, acabei por tomar um chuveiro, vestir roupa decente e ir dançar para o "Calhambeque"! ...Era muito novo!

Passaram anos, ...em que ainda fui tendo noticias do Gaston, ... e depois a noticia tristíssima de que a Nicole tinha morrido, no hospital de Kinshassa, a meio duma cirurgia à barriga.

Durante muitos anos pensei amargamente que poderia ter tido culpa, e só há pouco tempo o Zé Real, que agora vive aqui perto de Lisboa, me descansou, ao dizer-me que tudo tinha acontecido quase dois anos depois da minha estadia no Zaire.

...Entretanto ...a nossa Angola acabou. Fui parar a Johansburgo, onde trabalhei perto de cinco anos num banco,e a Ingrid, minha muito querida mulher, numa agência de viagens

Quando vinhamos a Portugal de férias, se a viagem era feita na TAP, faziamos escala em Kinshassa ...Não passávamos do aeroporto, mas havia sempre alguém, português ou belga, que nos dava noticias do Gaston.

...Até que, já nem sei quem foi, preguntou-nos: " Vocês não sabem? ...O Gaston morreu.

Suicidou-se! Estava a viver com uma rapariga lingala, muito alta e muito bonita, de boa familia, parece que ainda prima do Desiré Mobúto, que começou a dizer-lhe que estava farta dele ...e que se ia embora. ...E ele respondia: ...Se tu fores, eu dou um tiro na cabeça.

...E um dia ela foi-se mesmo embora. ...E o Gaston deu um tiro na cabeça!"

J.S.C.

sábado, 5 de dezembro de 2009

SAUSSURE – Quem é o nosso principal interlocutor

                                                                                          ( Memória )

MONÓLOGO INTERIOR E PERMANENTE

Ferdinand de Saussure ( 1857/ 1913 ), consagrado linguista suíço, diz, no correr duma sua lição, que "É a Palavra que disciplina o Pensamento".

O que isto significa, na prática, é que sem palavras, sem frases, não há pensamento.

O homem aprendeu a falar antes de aprender a pensar. …De inicio só vocábulos soltos.

E, antes de chegar ao discurso, a sua cerebração era tão instintiva e sincrética como os rudimentares reflexos dos animais.     Quando pela primeira vez tentou falar, tudo o que terá conseguido, foi balbuciar como um recém-nascido.

São as Palavras que guiam o Pensamento:    O discurso é para o raciocínio como o carril para o comboio.

Somente por palestras interiores, palrando connosco próprios, somos capazes de pensar.

Quem é o meu maior interlocutor? …Claro que sou eu próprio!      (Ou és tu própria.)

Uma pessoa normal, que não seja "public-relations" de profissão, fala a média de, no máximo, uma hora por dia com outras pessoas e, num mínimo, 14 ou 15 horas, em "monólogo-diálogo", consigo própria. Até porque o cerebrar nunca pára.

…Por isso devíamos perguntar, de vez em quando:  …"Qual era o meu 'diálogo' interior?"   ( “O que era que eu estava a pensar?”)

Não sei de resto se mesmo a dormir não vai esse nosso perpétuo "monólogo-diálogo" continuando, …imparável. …Ou se a "conversa" só acontece durante os sonhos.                                 

                                  _____________________

 

FENÍCIA

ESCRITAS IDEISTAS, REPRESENTATIVAS E FONÉTICAS

Foi na Caldeia, possivelmente ainda antes da fundação de Babilónia, que surgiram as primeiras Escritas Fonéticas, talvez um milénio antes de terem aparecido no Egipto.

Na Antiguidade enquanto as escritas "Ideistas" e "Representativas" expressavam ideias, coisas e animais, as "escritas fonéticas" tentavam imitar a Linguagem Humana.

Isto era duma enorme vantagem pois pouca gente tinha ensejo de aprender a escrever,  …mas, mais ou menos, toda a gente sabia falar, ou pelo menos tagarelar.

Assim, tentando, por sinais muito simples, letras e sílabas, reproduzir as palavras, logo, ao silabá-las, as reconheciam:            …E pronto!        ( CO-MI-DA:   COMIDA ).

Foram os fenícios ( Hoje libaneses ) que aperfeiçoaram e divulgaram a escrita fonética por todo o Próximo Oriente.              E foram ainda eles que, como primeiros navegadores do Mediterrâneo, levaram a sua escrita às povoações costeiras, europeias e africanas, desse Mar Central.

Essa escrita tinha porém o tremendo defeito de só constar de “Consoantes”, com uma sonorização extremamente difícil      de perceber.

E então  os Gregos, que possivelmente a tinham recebido em primeira mão,  resolveram adicionar-lhe as "Vogais", afim de          a disciplinar e musicar, tendo assim conseguido aclarar-lhe a fonética.

Esta a história da criação do Alpha-beto ( Ou abe-ce-dário ) que ainda hoje se mantém.

Cascais, 20. Agosto. 2009                    J. Sá-Carneiro                                

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

OS DITADORES

Quando eu era garoto, no inicio dos anos 30, havia uma imagem made  in USA, que estava muito em voga:   Era ela a do “Inimigo Público”.    Habitualmente, um gangster de Chicago.  …Mas  havia outros, doutras cidades, e de  diversas  categorias, claro.  Que me lembre, naquela altura, o mais importante de todos,  e que teve mais elevada expressão foi  Al Capone.     E a esse chamava-se o Inimigo Público nº Um.

Mais tarde, ao tempo da 2ª Guerra Mundial, os supostos Inimigos Públicos passaram,  perante  uma das facções em choque,  a ter um outro nome:  “Ditadores”.      …E  foram assim alcunhados o Mussolini, o Stalin, o Hitler, e talvez outros, lá para a China e Japão,  mas de momento não me lembro, nem vem ao caso.

Depois, na Guerra Fria, além do Estalin, que teimou em perdurar, e do Tito da Jugoslavia,   a grande figura foi o Fidel de Castro, que ainda está vivo talvez porque a sua origem, de galego sefahrdi,  não permita que lhe toquem.              Mas também nos aparecem o  Mao Tse Tung,  o Ho Xi Mihm,  o  Pol Pot, etc. etc.                        

Todos eles  odiados!        Porém  todos eles já na História.                   

                                          ________________

Actualmente  a  moda  é  acusar  os  “Ditadores”  de   “Inimigos Públicos”  (e alguns até o serão ) e depois raptá-los   e executá-los  ( Chauzesco,  Sadahm Hussein,  …Do Noriega nada sabemos,     …e com o Gadhafi  -Kadafi-  parece ser  mais complicado).            

Cremos  que agora  estão na berlinda o Hugo Chaves e o Maomé Ahmadinejade,  …se os apanharem.

Afinal, a ilação que se tira é a de que “os Ditadores são Inimigos Públicos  …e  é  urgentemente necessário  exterminá-los”.

                                              _______________

…Mas aqui cai-se num tremendo “Contra-senso”!      …É que a História, a nossa e as outras, a História Universal, é toda feita de “Ditadores”.

E em suma:  “Para a História, se não somos Ditadores,      …Não prestamos !”      …Não merecemos registo histórico.

Alexandre da Macedónia, Julio César, Afonso Henriques, Pombal, etc, …etc. …etc.,   todos foram “Ditadores”.                                             …Parece que as pessoas comuns, como eu, como nós, ou mesmo muito melhores que nós, não têm qualquer hipótese de um lugar na História.  

É verdade que ainda há mais umas poucas variantes que também conseguiram “historiar-se”:    “Os Santos”,     “os Sábios”,    “os Artistas”    e     “os Heróis”.

Mas esses são afinal, à sua maneira, ditadores também:

”Os Santos” porque nos “ditaram” regras de conduta e de religião que,  passados tantos séculos, nós continuamos a acatar e a respeitar  com os  maiores rigor e  devoção.

“Os Sábios”,  abstractos os filósofos, ou  concretos os médicos,  por exemplo,  e  outros  cientistas, que nos obrigaram aos moldes da civilização, e  a  quem,  infalivelmente,  vamos  continuando a obedecer.   

“Os Artistas”, que nos impuseram os seus sons,  suas  fórmas,   cores  e  estilos, espalhadas por toda a estética que nos rodeia,  e  que,   feliz  e  obrigatoriamente  acabámos  por  ter que  aceitar.

…E  ainda  há  “os  Heróis”.     …Mas  esses,  se  têm  sorte, transformam- se em Ditadores.      …Se não têm, geralmente  morrem cedo    …e também deles já não reza a História.

…E afinal no que ficamos?      …Os Ditadores são bons ou maus?…

Evidentemente que toda a regra tem  excepção.

 

José Sá–Carneiro                                          Cascais, 04. 12. 2009