quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

CABINDA E OS PORTUGUESES

O  TRATADO  DE  SIMULAMBUCO                                                  

                                                                               J. Sá-Carneiro      (Mem.)

Parece terem sido os cabindas, mesmo antes dos quicongos e dos n’golas, o primeiro povo africano com quem estabelecemos contacto e relações a sul do golfo da Guiné. E tão boas foram essas relações que em breve, revelando-se bons marinheiros, eles se embarcavam nas nossas caravelas e naus, connosco viajando por toda a parte, ao serviço de Portugal.

...E     ( ...Como é tão fácil saltar aqui uns séculos!...)    quando chegámos  a  Angola,  em 1942,  ainda  eram  os  cabindas  os marinheiros, e até  nalguns casos os mestres, dos caíques,  uns já motorizados,  mas outros ainda à vela, que faziam a cabotagem, de Lândana à Baia dos Tigres.

E muito mais haveria a dizer dos cabindas  mas, de momento, o que nos interessa é frisar que, talvez por terem sido os primeiros a relacionar-se com a cultura europeia (Connosco), tinham acabado por obter um visível ascendente sobre as demais etnias circundantes, conseguindo, muitas vezes, ocupar boas posições nos nossos comércio e funcionalismo africanos.

Porem, voltando para trás no tempo, podemos dizer que, até ao fim do sec. XIX, prezando cautelosamente a sua independência, nunca os cabindas se deixaram absorver pelo visinho território português, então chamado Provincia de Angola, com quem, de resto, sempre tiveram o melhor relacionamento.

A dada altura, e nunca se saberá quem lhes terá levado a noticia, constou aos cabindas que iria fazer-se uma importante Conferência na Europa (em Berlim), onde seriam redistribuidas as terras da bacia do Zaire.

Face ao pânico de perderem a sua independência, a favor duma qualquer potência europeia, de que possivelmente nem tinham ouvido falar, apelam eles para Angola, no sentido de ser transmitida ao Rei de Portugal uma petição para que seja firmado um Tratado pelo qual Cabinda passasse desde logo a ficar sob a protecção da bandeira portuguesa.

Pouco tempo depois aporta a Cabinda a corveta “Rainha de Portugal”, sob o comando do Capitão-Tenente Guilherme Augusto de Brito Capello, Comendador de Aviz e Senhor de várias outras Dignidades, que vem com plenos poderes de Sua Magestade Fidelissima El-Rei de Portugal para firmar um Tratado pelo qual passava Cabinda a ser Protectorado Português.

Recebido aos 22 de Janeiro de 1885, em Simulambuco, pelo Rei Ibiala Mamboma, pela princesa Maria Simbo Mambuco, pelo depois Barão de Cabinda, Manuel José Puna e várias outras entidades, logo o tratado começou a ser elaborado, vindo a firmar-se no dia 1 de Fevereiro de 1885, para pouco depois ser presente à Conferencia de Berlim que, por proposta portuguesa, teve lugar no mesmo ano.-

                       J. Sá-Carneiro                    Março 2000

                                           ________________

 

TRATADO  DE  SIMULAMBUCO

Artigo 1º- Os Príncipes e mais Chefes e seus sucessores declaram, voluntariamente, reconhecer a soberania de Portugal, colocando sob o protectorado desta Nação todos os territórios por eles governados.

Artigo 2º- Portugal reconhece e confirmará todos os Chefes que forem reconhecidos pelos povos segundo as suas Leis e Usos, prometendo-lhes auxilio e protecção.

Artigo 3º - Portugal obriga-se a fazer manter a integridade dos territorios colocados sob o seu protectorado.

Artigo 4º - Aos Chefes do País e seus habitantes será confirmado o senhorio directo das terras que lhes pertencem, podendo-as vender ou alugar de qualquer fórma para estabelecimento de feitorias de negócio ou outras industrias particulares mediante pagamento dos costumes, marcando-se de uma maneira clara e precisa a área dos terrenos concedidos, para evitar com-plicações futuras, devendo ser ratificados os contratos pelos comandantes dos navios de guerra portugueses, ou pelas autoridades em que o Governo de Sua Majestade delegar os seus poderes.

Artigo 5º - A maior liberdade será concedida aos negociantes de todas as nações que se estabelecerem nestes territórios, ficando o Governo Português obrigado a proteger esses estabelecimentos, reservando-se o direito de proceder como julgar mais conveniente, quando se provar que se tenta destruir o Domínio de Portugal nestas regiões.

Artigo 6º- Os Príncipes e mais Chefes indígenas obrigam-se a não fazer tratados nem ceder terrenos aos representantes de nações estrangeiras, quando esta cedência seja com carácter oficial e não com o fim mencionado no Artigo 4º.

Artigo 7º- Igualmente se obrigam a proteger o comércio, quer dos portugueses, quer dos estrangeiros e indígenas, não permitindo interrupção nas comunicações com o interior e a fazer uso das suas autoridades para desembaraçar os caminhos, facilitando e protegendo as relações entre vendedores e compradores, e as missões religiosas e cientificas que se estabe-leçam temporaria ou permanentemente nos seus territórios; assim como o desenvolvimento da agricultura.

- Parágrafo Único: Mais se obrigam a não permitir o tráfico de escravatura nos limites dos seus domínios.

Artigo 8º - Toda e qualquer questão entre europeus e indígenas será resolvida sempre com a assistência do Comandante do Navio de Guerra Português que nessa ocasião estiver em possível comunicação com a terra, ou de quem estiver munido de poderes devidamente legalizados.

Artigo 9º - Portugal respeitará e fará respeitar os usos e costumes do País.

Artigo 10º - Os Príncipes e Governadores cedem a Portugal a propriedade inteira e completa de porções de terreno, mediante o pagamento dos seus respectivos valores, a fim de neles o Governo Português mandar edificar os seus estabelecimentos militares, administrativos ou particulares.

Artigo 11º - O presente Tratado assinado pelos Principes e Chefes do País, bem como pelo Capitão-Tenente Comandante da Corveta “Rainha de Portugal”, começa a ter execução desde o dia da sua assinatura, não podendo, contudo, considerar-se definitivo senão depois de ter sido aprovado pelo Governo de Sua Magestade.

Simulambuco, em Cabinda, 1 de Fevereiro de 1885

Guilherme Augusto de Brito Capello

( Segue-se a assinatura e as de todos os Principes e Nobres de

Cabinda ).

Este Tratado foi explicado e lido em lingua do País, ficando todos inteirados do seu conteudo antes de o assinarem na minha presença, e comigo Antonio Nunes de Serra e Moura, Aspirante do Corpo de Oficiais da Fazenda da Armada, servindo de secretário Nunes de Serra e Moura.

Afirmamos e juramos, sendo preciso, que as assinaturas e sinais de  cruz ( + ) são dos individuos, por os conhecermos pessoalmen-te e os termos visto assinar este Auto.   João Puna, João Barros Franque, Vicente Puna, Guilherme Franque.- (a)                   Estavam presentes a este acto as seguintes pessoas: (aa) Onofre Alves de Santiago, M. J. Corrêa, e Alexandre Manuel da Silva. Oficiais da Corveta “Rainha de Portugal”: (a) Cristiano Frederico Knusse Gomes, 1º Tenente; Eduardo Ciriaco Pacheco, 1º Tenente; Antonio da Fonseca Sarmento, 2º Tenente;João de Matos e Silva, Facultativo Naval de 1ª classe;  Alberto Antonio de S. Marino,  G. Marinha. -                                               F.

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